Enforcamentos em
Porto Alegre
Largo da Forca
Segundo o historiador Walter Spalding, o Largo da
Forca ficava na atual avenida Padre Thomé, entre a Av. Mauá e a Rua dos
Andradas, em frente à Igreja das Dores.
Avenida Padre Thomé
Para Spalding, o nome Praça da Harmonia, nas
proximidades do Largo da Forca, foi dado ao logradouro, pela Câmara
Municipal, em memória ao fim dos enforcamentos.
Praça da Harmonia
De acordo com o historiador Sérgio da Costa Franco, o Largo
da Forca se situava onde está, hoje, a Praça Brigadeiro
Sampaio (antes Praça da Harmonia).
- A atual Praça Brigadeiro
Sampaio (Praça da Harmonia) da cidade brasileira de Porto Alegre,
situada no Centro Histórico. É considerada a praça mais antiga de que se tem
registro.
- Próximo ao antigo Gasômetro, na antiga Rua da Praia (atual Rua dos
Andradas) há uma praça com árvores, área de lazer e uma estátua no centro, em
homenagem ao brigadeiro Antônio Sampaio, que dá nome ao local.
- A Praça Brigadeiro Sampaio teve vários nomes ao longo
da história de Porto Alegre, reurbanizada em 1965, foi conhecida no passado como Ponta
das Pedras, Largo da Forca, Praça do Arsenal e Praça da Harmonia, Praça Martins
Lima e Praça Três de Outubro.
História
- O local em que praça se encontra hoje foi conhecido, no início da
colonização, também como Largo da Forca, onde ocorriam as execuções
dos condenados à morte. A área em que se situava, por sua vez, foi chamada de
Praia do Arsenal e abrigava estaleiros.
Na pacata e bucólica Porto Alegre dos
anos 30 do século XIX, tinha vez um espetáculo de horror capaz de mexer com os
nervos da Província (...). No dia da execução, formava-se o funesto cortejo que
o conduziria ao patíbulo. Ladeado por um sacerdote (...) e por um meirinho
(...) o condenado (...) era conduzido (...) até chegar ao local da forca.
Landro Oviedo
- No início da Rua da Praia (Rua dos
Andradas), equidistante de uma tríade de relevante valor histórico para a
cidade: - o Museu do Trabalho, a Usina do Gasômetro e a Igreja das Dores - existe
um recanto que acolhe distintas lembranças do passado.
Em meados do século XVIII, por volta de 1752, após a chegada dos
casais açorianos, no local se tornou o primeiro cemitério de Porto Alegre, pois
estava afastada do centro do povoado que começava a nascer.
- Era uma região deserta, afastada do centro da povoação que começava a
nascer. As pessoas só se aventuravam a chegar até ali quando havia algum
enterro, ou então no dia de finados.
- O local era evitado pelos mais supersticiosos. Diziam que as almas
penadas rondavam entre as árvores pedindo orações.
- E assim foi ao longo de 20 anos.
Em 1772, o governador Marcelino de Figueiredo transferiu a
capital de Viamão para Porto Alegre, instalou o Palácio do Governo, a Câmara de
Vereadores e a cadeia na área próxima de onde hoje é a Praça Brigadeiro
Sampaio.
- José Marcelino de Figueiredo foi morar numa casa ao lado do
Palácio, bem defronte ao matagal por onde andariam rondando as almas penadas.
- O local foi se tornando cada vez mais movimentado. O Governador mandou
então limpar o matagal, surgindo ali uma praça ainda sem nome. Situação que se manteria por pouco tempo.
- Uma espécie de ponto de descanso. As pessoas que iam tratar assuntos
com o Governador ou com a Câmara encontravam abrigo à sombra das árvores
num terreno limpo.
- Não havia mais notícias de almas penadas. Mas isso foi por pouco
tempo. Uma nova legião de fantasmas logo estaria assombrando aquele local.
O Primeiro Condenado
Segundo o historiador Sergio da Costa Franco:
- Primeiro padecente no patíbulo foi o africano Joaquim, de
nação Mina, escravo de Joaquim Machado Leão, que matara a mãe de
seu senhor, Maria Joana do Nascimento Leoa.
- Cumpriu-se, na oportunidade, a horrorosa determinação da Junta, de ser
exibida ao público a cabeça decepada do condenado.
A Forca
- Naquela época existia a pena de morte no Brasil, por enforcamento, e
Porto Alegre não tinha um local destinado a este fim.
- O escravo de Antônio Francisco Pereira Jardim, conhecido
como Preto Luís foi condenado à morte.
- O juiz Vicente Ferreira Gomes solicitou à Câmara, auxiliado pelo governador que ordenou que se levantasse a forca onde
achassem mais conveniente.
- O local escolhido foi a área próxima ao palácio, sendo então conhecido
como Largo da Forca, onde vários condenados foram executados.
- Depois da execução do preto Luis, outros condenados foram
ali enforcados.
Nota:
- Um episódio marcou este local: a execução do negro Lucas.
- Quando ele foi
empurrado pelo carrasco, a corda rebentou. Aquilo foi interpretado como um
sinal de inocência. E logo um irmão da Santa Casa cobriu o negro Lucas com
a Bandeira da Misericórdia.
- De acordo com os costumes da época, ele deveria ser perdoado. A corda
rebentada era um aviso da justiça divina à justiça dos homens. Mas o juiz que
comandava a execução resolveu não respeitar o costume, nem ligar para a justiça
divina.
- E ordenou o enforcamento.
A partir daí, os mais supersticiosos passaram a evitar aquele
local, pois os fantasmas e as almas penadas estavam de volta, pedindo orações,
ameaçando com vinganças ou então chorando e jurando inocência.
Porto Alegre -1852
Na imagem abaixo, observa-se na direita, a cadeia;
no centro, a igreja Nossa Senhora das Dores e na esquerda, a igreja Matriz
(hoje novo prédio construído, onde localiza-se a Catedral de Porto Alegre).
- O terreno era coberto de vegetação rasteira, largado ao abandono. Nem
mesmo a armação da forca se via naquele local. Ela era retirada depois de cada
execução, para não chocar as pessoas de bem com a imagem ameaçadora.
- O Largo da Forca só recebia cuidados da Câmara quando
alguém estava prestes a ser executado. A praça era então capinada. Erguia-se a
forca. Abriam-se os acessos para que o povo pudesse presenciar o suplício do
condenado. Terminada a execução, o local voltava a ser um terreno baldio, mal
cuidado, temido e amaldiçoado.
Demais Execuções
No ano de 1822, seguiram-se outras seis execuções, sendo três de
escravos e três de homens livres, um dos quais o soldado branco Joaquim
José Fagundes, cujo suplício causou uma comoção da cidade, exigindo medidas
cautelares de segurança entre a tropa.
Em 1826, dois escravos foram enforcados.
Em 1829, outros três.
Novo Código
Em 1830, o Código Criminal do Império, derrogando em parte a
legislação tirânica do Livro V das Ordenações Filipinas, reduziu a
incidência da pena de morte, embora não a abolisse, o que só aconteceu com o
advento da República.
Sérgio da Costa Franco cita o cronista Antônio
Álvares Pereira Coruja, segundo o qual, a forca “era habitualmente
erguida na Praia do Arsenal, no lugar que ficou conhecido como Largo da Forca,
depois Praça da Harmonia e hoje Brigadeiro Sampaio.
”
- Costa Franco conclui que, a partir de 1834, a forca não
teve locação determinada.
- As execuções eram realizadas com grande pompa, acompanhadas por tropa
militar, juiz, oficiais de Justiça, sacerdotes e irmãos da Santa Casa de
Misericórdia, sendo que estes últimos recolhiam o cadáver do padecente.
- Missa na Igreja Nossa Senhora das Dores precedia a consumação do suplício.
Igreja Nossa Senhora das Dores
Fim das Execuções
(...) As últimas execuções de pena máxima, atingindo a três
sentenciados, aconteceram em 1857.
Em 03 de novembro de 1857, ocorreram as últimas execuções em Porto
Alegre, no Largo da Forca*, Praça da Harmonia.
Foram levados ao patíbulo os réus Domingos Batista, Sargento
Félix e o pardo Florentino. Os dois primeiros eram
acusados do latrocínio do súdito português Manoel Tavares, e o
terceiro assassinara o seu senhor Antônio Soares Leães.
Sobre Domingos Batista, corria a história de que, às
vésperas da execução, pessoa amiga de sua família mandara-lhe um grande pão de
ló recheado com uma navalha.
Ao encontrar a arma, Batista jogou-a ao chão,
exclamando:
- Estão enganados: - não me degolo;
Prefiro morrer enforcado.
Extinção da Forca
Em 1860, a forca foi extinta em Porto Alegre e a então Praça do Arsenal ganhou um
novo nome, dado espontaneamente pelo povo e passou a chamar-se Praça da
Harmonia, celebrando o fim da pena de morte.
- Apesar de ter ganho um novo nome, o local continuou sendo um terreno
baldio e mal cuidado onde pequenos casebres serviam de moradia às pessoas mais
pobres da cidade.
A Praça
Em 1865, o vereador José Martins de Lima assumiu com o povo o
compromisso de reabilitar a praça. Começou com uma nova arborização, mandando
plantar 94 árvores. Ao cabo de um ano a praça já apresentava novo aspecto.
- O coreto do tempo do Governador Ângelo Ferraz foi
reconstruído e uma novidade incorporou-se aos novos divertimentos.
- Um ringue de patinação, onde rapazes e moças deslizavam mostrando suas
habilidades e, no dizer de um cronista da época “aproveitando” os tombos para
iniciar um namoro. As quedas eram pretextos para pegar na mão das mocinhas e
ajuda-las a levantar-se.
- Ao lado do ringue de patinação foi instalado um quiosque onde se bebia
um chope geladinho, acompanhado de saborosos petiscos.
- Foi a época de ouro da Praça da Harmonia, reunindo ali,
democraticamente, ricos, pobres e remediados.
Glamour
- Era o ponto chique de Porto Alegre, um local de encontros e bate-papos
nos tranqüilos fins-de-tarde, apreciando o pôr-do-sol do Guaíba.
- Quando o vereador José Martins de Lima faleceu, a
Câmara decidiu mudar o nome da Praça da Harmonia que passou
então a chamar-se Praça Martins de Lima, em homenagem àquele que
tinha conseguido dar ao local o tratamento que merecia. O povo, entretanto,
continuou chamando de Praça da Harmonia.
Na imagem ao lado, de 1890, observa-se a existência
de um chafariz (que teve curta duração, apenas dois anos) que tinha a água
bombeada manualmente pelos preso da Casa de Correção (cadeia).
Acima, observa-se a praça e os prédios da Marinha,
Brigada, Exército e algumas residências - 1910
Em 1930, o intendente Alberto Bins mudou novamente o nome da
praça para Três de Outubro, em homenagem ao movimento que colocou Getúlio
Vargas na presidência.
Em 1965, diante de tanta insistência com o antigo nome, levantou-se na imprensa e
na Câmara de Vereadores, um forte movimento para que o nome dado
espontaneamente pelo povo, fosse consagrado oficialmente. Assim, por uma lei
votada em julho de 1965, foi oficializado o nome de Praça da Harmonia.
Apesar dos apelos do povo e do reconhecimento dos vereadores, dez anos
depois a praça mudou de nome mais uma vez.
Atualmente a praça é frequentada pelos moradores próximos, sendo um
local agradável para caminhar com o seu cachorro, tomar chimarrão e até mesmo
fazer um churrasco à sombra das árvores.
Nas proximidades do Museu do Trabalho na Volta do Gasômetro, no início
da Rua da Praia (Rua dos Andradas), existe a praça com grandes árvores e uma
estátua no centro.
A estátua é de um militar empunhando a espada num gesto de quem comanda
um ataque. Trata-se de uma homenagem ao brigadeiro Antônio de Sampaio,
um cearense que lutou bravamente na Guerra do Paraguai.
A praça que tem hoje o seu nome: - Praça Brigadeiro Sampaio,
que já teve outros nomes na sua longa história pontilhada de tristezas,
alegrias, esplendor e abandono.
Artigo
O jornal Correio do Povo, de 03 de novembro de
2005, página 4, publicou artigo de Landro Oviedo sobre o
Largo da Forca:
Na pacata e bucólica Porto Alegre dos
anos 30 do século XIX, tinha vez um espetáculo de horror capaz de mexer com os
nervos da Província e da civilização. Cerca de duas dezenas de negros
transgressores tiveram as parcas vidas abreviadas pela forca no lugar hoje
conhecido como Praça da Harmonia. Uma demão na história para expiar culpas.
Uns dias antes do trágico evento, o
Largo da Forca, então um extenso capinzal, era limpo e preparado. O infeliz
ficava sabendo da sentença de execução e, desde seu anúncio, sua manutenção
ficava a cargo dos irmãos da Misericórdia. Aliás, então, numa compensação
eufemística e tardia, sua alimentação melhorava, liberavam-se-lhe as visitas e
ele recebia pão-de-ló e até vinho do Porto.
No dia da execução, formava-se o
funesto cortejo que o conduziria ao patíbulo. Ladeado por um sacerdote, por um
sacristão com a bandeira da Misericórdia, pelos soldados e por um meirinho, o
qual alardeava que se "iria executar a sentença", o condenado,
exposto à curiosidade pública, era conduzido para missa de corpo animado e
ainda fremente na Capela dos Passos, "regalia" que recebia
consternado.
Logo após, a comitiva retomava seu rumo
sinistro. Sob os dobres dos sinos das igrejas, vinha descendo a Rua da Praia,
hoje Andradas, até chegar ao local da forca. Lá esperavam o juiz da execução, o
escrivão de Justiça, o carrasco, além de escolares e de negros cativos, levados
ao local com o didático fim de constatarem que o mal não compensa. Mais tarde,
levariam corretivos próprios. Dividiam espaços com a turba ávida de sangue e de
desgraças alheias.
Lida a sentença, com o réu de cócoras
frente a um crucifixo, ele era alçado ao cadafalso, vestindo largo casacão de
algodão branco, com mãos amarradas. Um sacerdote rezava o Pai-Nosso, cujo final
era a senha para o carrasco colocar o pé nas mãos manietadas e forçar os ombros
da vítima para baixo, valendo-se de seus pesos. Ele estrebuchava, com olhos
catapultados das órbitas, num balouçar desesperado, até silenciar para sempre o
último fio de vida.
O lugar, dizem, teria ficado depois por
muito tempo assombrado pelas almas desses errantes do outro mundo.
Em 1857, realizou-se ali
a última execução, a do pardo Florentino, que matou seu senhor Antônio Soares
de Almeida Leães. Após a morte de um inocente, o imperador Dom Pedro II proibiu
esse tipo de execução. Assim, o Largo da Forca ficou perdido em algum escaninho
da instável memória dos homens, que vive de lembrar e, por vezes, de esquecer.
Um enforcamento na antiga
Porto Alegre
- Numa manhã de julho. Deve ser uma manhã gelada. Guardas, que fazem
parte da escolta, retiram da prisão um jovem condenado à morte por parricídio*
e o conduzem até a Santa Casa, no alto da colina.
Os praças estão fardadas a rigor: ponche de pano azul, manta de lã.
Camisa de algodão, blusa de brim, calças brancas e chapéu de barbicacho.
Empunham espadas nuas, para evitar a fuga do preso. Marcham a pé, menos
o comandante, que vai a cavalo, à frente.
Diante da Santa Casa, uma pequena multidão está reunida para ver o
condenado. No oratório, ele é aguardado por familiares e por um padre. Pouco
depois, chegam o juiz das execuções, o escrivão, o meirinho e irmãos da Santa
Casa vestidos com seus balandraus (capas).
Lida a sentença, o carrasco retira-lhe as algemas, manieta-lhe os braços
e veste-lhe um amplo casacão de algodão branco. O comandante da tropa entra no
oratório e comunica que a força está formada.
O condenado sai, no centro de um quadrado de soldados, seguido pelo
sacerdote e por um irmão da Santa Casa.
O cortejo entra na capela de Nosso Senhor dos Passos, onde o condenado
assiste, genuflexo**, à missa em intenção de sua alma. A seguir, inicia-se a
marcha para o largo da forca, na praça da Harmonia. Determina a lei que o
cortejo atravesse a cidade. Esta tem pouco mais de um quilômetro de extensão
entre a Santa Casa e a praça da Harmonia; e a largura é de pouco mais de
quinhentos metros, contados entre a rua da Praia e a praça da Matriz.
O cortejo desce a ladeira que liga o largo da Misericórdia*** à rua da
Praia. Noutro tempo, o trecho entre o largo da Misericórdia e a rua da Ladeira,
chamava-se rua da Graça. A rua da Praia, propriamente dita, começava na praça
da Alfândega e ia até a rua da Passagem****. A principal artéria comercial e
residencial da cidade, a rua da Praia se estende à margem do Guaíba. Predominam
sobrados toscos e desgraciosos que abrigam estabelecimento comerciais no térreo
e residências no segundo pavimento. O calçamento é de pedras irregulares.
Diante de cada casa, há pelo menos dois frades de pedra. O escoamento pluvial
se faz pelas sarjetas.
A rua está apinhada de gente nos passeios. Há espectadores à porta de
todas as casas comerciais e à janela das residências. O cortejo avança devagar,
horrendamente devagar, em meio a um silêncio pesado, enquanto o meirinho faz o
pregão: “Vai se executar a sentença de morte natural, na forca, proferida contra
o condenado.”
O cortejo é seguido por cães vadios, que de resto, infestam a cidade.
Chega-se finalmente à praça da Harmonia, grande extensão às margens do
rio, na ponta da península. Trata-se de área pantanosa que anos depois será
aterrada. Durante a noite, limpou-se a vegetação rasteira e construiu-se o
cadafalso, diante da igreja das Dores.
No público presente, predominam escravos e escolares, mandados a fim de
escarmentá-los com o exemplo do que acontece aos infratores dos mandamentos e
das leis.
No cadafalso, o meirinho lê a sentença pela última vez e o padre reza em
voz alta o “Creio em Deus”.
Num gesto rápido, o carrasco coloca o laço no pescoço do condenado e
retira o alçapão sob seus pés.
O corpo se contorce e afinal se imobiliza.
Texto baseado no livro “A Fundação de
Porto Alegre”, de Augusto Porto Alegre
Legenda:
* Parricídio: o assassinato do
próprio pai.
** Genuflexo: ajoelhado.
*** Praça Dom Feliciano
**** Rua General Salustiano
Enforcados em Porto Alegre, Execuções da pena capital,
Entre 1821 e 1857.
Sérgio Da Costa
Franco
Procurador de Justiça Aposentado - Historiador
Até a vigência do Código Penal
republicano de 1890, a pena de morte era cominada para vários crimes previstos
no Livro V das Ordenações Filipinas, como também continuaria a ser
após a Independência, no Código Criminal do
Império.
Apesar do rigorismo da legislação em vigor, parece não ter havido
execuções da pena capital em Porto Alegre antes de 1821, pela singela razão
de, em existindo como instâncias de recurso a Casa de Suplicação e depois a
Relação do Rio de Janeiro, para lá eram remetidos os réus com os respectivos
processos. E se houve condenações à morte, como é provável que tenha havido em
relação a acusados oriundos do Rio Grande do Sul, os porto-alegrenses foram
poupados do espetáculo sinistro até o advento da Junta de Justiça, criada por
Dom João Sexto em 1816. Esta Junta criminal, criada especificamente para enfrentar a elevada
criminalidade da Capitania, tinha o poder de julgar, em única e última
instância, todos os crimes, salvo os de "lesa-majestade", e quando os réus
não fossem eclesiásticos ou militares assistidos por privilégio de
foro.
Tendo como relator permanente o Ouvidor da Comarca, e integrada por
todos os Juízes togados sediados na Capitania (os Juízes-de-Fora de Porto
Alegre, Rio Grande, Rio Pardo, mais o Juiz da Alfândega e o Desembargador Luiz
Corrêa Teixeira de Bragança) sob a presidência do Governador, esta Junta
apreciou numerosos processos e inaugurou em Porto Alegre o espetáculo macabro
das execuções na forca.
Se a intenção, aliás explícita, do Rei e de seus ministros era oferecer
ao povo a visão exemplar dos castigos, dentro de uma política de prevenção
geral da delinqüência, o objetivo deve ter sido alcançado.
Entre dezembro de 1821 e junho de 1822, em sete meses, sete réus foram
executados, causando na pequena vila uma natural comoção. O cronista Coruja,
que testemunhou essas execuções relembrou- as cinqüenta anos depois, quando
publicou seu volume de "Antigualhas". E mesmo sem ter
podido examinar processos nem socorrer-se de notícias da imprensa, que só
existiu depois de 1827, forneceu detalhes que dão bem a medida do impacto produzido pelos
eventos. Após relembrar o início dos trabalhos da Junta de Justiça e mencionar
o surgimento do Largo da Forca (hoje Praça Brigadeiro Sampaio), o escritor
registrou com precisa memória:
"O primeiro aí executado foi o
preto Joaquim, por ter assassinado sua senhora, a velha Leoa, do Triunfo".
Memória do Judiciário
Mencionou ainda outros dois supliciados, apenas se enganando quanto à
ordem cronológica das execuções: o referido como executado em segundo lugar,
foi realmente o quarto. Mas o fato de Coruja, escrevendo meio século mais
tarde, poder relembrar os episódios, permite uma idéia da impressão funda que os
enforcamentos produziram.
Prova também desse efeito aterrador sobre o imaginário da cidade é a
lenda surgida a propósito das torres da Igreja das Dores, lenda que deu motivo
até a uma novela de Afonso Morais ("Torres malditas", Ed. Globo, P.
Alegre, 1931): um condenado, ao subir ao patíbulo, teria prognosticado que a
dita igreja, de demorada construção, nunca seria concluída. E como a referida
igreja levou quase cem anos para ficar pronta, a praga do escravo de Domingos
José Lopes ganhou foros de maldição invencível.
Há vários anos, em meio à dificuldade de localizar as necessárias fontes
documentais, temos procurado fixar o elenco dos executados na forca em Porto
Alegre e identificamos rol significativo de pacientes da pena capital, embora
sem segurança plena de haver exaurido a lista. Em anexo a ofício do Juiz
Municipal Joaquim Lopes de Barros ao Presidente da Província, em 16/4/1855, consta uma
estatística das execuções criminais processadas na comarca da Capital, onde se
mencionam, sem indicações outras, 12 mortes na forca (AHRS, fundo Justiça,
Correspondência, maço 023). Mas a informação não explicita o lapso de tempo em
que se consumaram ditas execuções.
Condenados pela
Junta de
Justiça
O africano Joaquim inaugura o patíbulo.
Em 1819, no distrito de Triunfo, o africano Joaquim de nação Mina, escravo de
Joaquim Machado Leão, matou a mãe de seu senhor, Maria Joana do Nascimento Leoa
(na época havia o costume de flexionar os sobrenomes conforme o sexo) e causou
ferimentos graves a Clara Maria do Nascimento Leoa, filha da mesma vítima.
Julgou-o a Junta em 04 de dezembro de 1821, rejeitou incontinente os embargos
opostos pelo defensor dativo, e a execução se consumou no dia 7 de dezembro do
mesmo ano. Cumpriu-se no patíbulo a horrorosa determinação da Junta, de ser
exibida ao público a cabeça decepada do condenado. Não admira que Pereira
Coruja, com 15 anos de idade na data dessa execução, não a esquecesse jamais.
(APERGS, Cart. do Júri de P. Alegre, proc. nº 78, maço 3).
De Conceição do Arroio mais um executado.
OS ENFORCADOS EM PORTO ALEGRE - EXECUÇÕES DA PENA CAPITAL ENTRE 1821 E
1857
Em fevereiro de 1821, em Conceição do Arroio, hoje Osório,
escravos de Francisco José de Paula revoltaram-se contra o senhor e o mataram.
Antônio, qualificado como "cabra, solteiro, natural de
Conceição do Arroio", foi condenado à morte em Janeiro de 1822 e executado em Porto
Alegre a 21 do mesmo mês. Outro co-réu, de apenas 14 anos, foi absolvido.
(APERGS, Cart. do Júri de P. Alegre, proc. nº 107, maço 4).
Em 21 de janeiro de 1822, um dia macabro.
No mesmo dia 21 de janeiro, outro enforcamento se consumou: o
supliciado foi o mulato João, escravo campeiro de Antônio José Landim. Tinha
ele 20 anos, natural de Cachoeira. Achando-se fugitivo do cativeiro, em 1818, nos arredores de
Rio Pardo, matara um cidadão, e, quando perseguido por uma patrulha policial,
resistiu à prisão, matando o soldado da escolta, Inácio Curitibano. Embora
defendido com empenho pelo advogado Henrique da Silva Loureiro, nas alegações
escritas que o procedimento admitia, a Junta o condenou à forca, e a execução
se consumou. (APERGS, Cart. do Júri de POA, maço 2, proc. nº 64).
Balduíno, um liberto de Bagé, subiu à forca.
A quarta execução de pena capital em Porto Alegre ocorreu em 4 de maio
de 1822 e teve por paciente o liberto Balduíno ("pardo forro",
segundo o linguajar do processo) que em dezembro de 1820, no distrito de São
Sebastião (atual Bagé) matou José Cordeiro, a mando da mulher deste, Brígida
Joaquina Lopes. Balduíno teve dois cúmplices, que receberam penas menores, como
a própria Brígida, mandante do homicídio, condenada a 10 anos de degredo, que
deveria cumprir em Angola, mas que terminou cumprindo em Fortaleza, no Ceará.
Parece que a condição feminina atenuava as culpas...
A Junta foi especialmente rígida com Balduíno, cuja cabeça mandou
decepar e expor ao público. (APERGS, Cartório do Júri de Porto Alegre, proc. nº
108, maço 4).
O cronista Coruja não esqueceu esta execução, mencionando o detalhe
grotesco do sermão do padre italiano Camponeschi, que trocava o nome do réu
Balduíno por "Baldevinos".
O enforcamento de um branco causou comoção pública.
Ainda no mesmo mês de maio de 1822, a 10, ocorreria a primeira
execução de um branco, o ex-porta-estandarte do Regimento de Dragões, Joaquim
José Fagundes, 71 anos, morador no Passo do Jacuí, em Cachoeira, que matara o
curitibano Antônio Joaquim Vieira, em 4 de janeiro daquele ano. Esse rápido
procedimento, que resultou na condenação de um branco e ex-soldado à pena
última, deve ter causado certa comoção pública, tanto que Coruja escreveu nas "Antigualhas":
"Entre os supliciados daquele
tempo houve um que se tornou notável pelo aparato militar e por outras razões
de conveniência; e tanto que se esperou pela retirada do batalhão de Santa
Catarina para que tivesse lugar o ato do suplício, visto ser o supliciado sogro
de um oficial daquele batalhão."
"Alguns versos então se cantaram,
e entre eles me lembro dos seguintes:
"Numa sexta-feira / Depois da
missa / Lá vai o Fagundes / Entregue à Justiça". - "Os filhos de luto
/ Lá chorando vão / - Meu querido pai, / Lançai-me a benção".
Desse processo consta que a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia
intercedeu pelo condenado, sendo presente nos autos a respectiva petição.
(APERGS, Cart. do Júri, P. Alegre, maço 5, proc. nº 125).
Dois réus de Piratini encerram a conta lúgubre de 1822.
Fato criminoso ocorrido em Piratini, à noite de 22 para 23 de junho de
1821, quando o comerciante José Maria Chaves foi degolado e teve seu
estabelecimento comercial saqueado, recebeu resposta relativamente pronta. Um
ano depois, em junho de 1822, a Junta de Justiça condenava seus autores à pena
de morte: um soldado desertor, Manuel José de Lima, conhecido como "Manuel das
Chagas" e o "cabra" paraibano Braz, escravo do Vigário de
Piratini. A execução deu-se em 28 de junho de 1822, em dose dupla, encerrando o
ciclo de enforcamentos daquele ano sinistro. (APERGS, Cart. do Júri de Porto
Alegre, proc. nº 113, maço 4).
O curitibano Bento foi supliciado em 1826.
Quatro anos se passaram sem execuções na forca. Mas, em abril de 1826, começou outra
temporada de suplícios. Primeiro, a 21 de abril, o pardo Bento, curitibano
(termo que designava os naturais da grande comarca de Curitiba, origem do
Paraná), escravo de Gabriel Ribeiro Ribas, de Cachoeira.
Em 1823, ele mais três parceiros (outro escravo, um pardo forro e um índio guarani)
assaltaram e roubaram Serafim dos Anjos Ribas nos arredores de Cachoeira,
ocultando o respectivo cadáver. Um dos co-réus morreu antes do julgamento, o
pardo forro e o índio sofreram degredo perpétuo para fora da província, e Bento
foi condenado à morte. (APERGS, Cart. do Júri, P. Alegre, proc. nº 189, maço
8).
Um caso porto-alegrense: Lourenço e um motim na cadeia.
A 29 de abril de 1826, foi a vez de subir ao patíbulo o
crioulo Lourenço, natural do Rio de Janeiro e escravo de João José de Oliveira
Guimarães, que era estabelecido com chácara em Porto Alegre. Dos casos que
determinaram aplicação da pena máxima, foi este o primeiro ocorrido na capital
da Província. Lourenço já se achava preso por haver assassinado o capataz da
chácara de seu senhor, num episódio de 1823. Ainda não fora julgado por aquele
crime, quando promoveu um levante na Cadeia, de que resultou a morte de um dos
guardas e ferimentos em dois outros, isto em 07 de dezembro de 1825. Respondeu, então,
pelos dois homicídios, pelo levante e a evasão violenta, sendo apenado com
morte, em sessão de 26 de abril e executado três dias depois, no Largo da
Forca. (APERGS, Cart. do Júri, P. Alegre, proc. nº 171, maço 7).
Dois africanos de Rio Pardo abrem o ciclo de 1829.
Até 1829, não houve outros enforcamentos. Mas, num rápido processo de 1828, dois escravos
africanos de Manoel Velozo Rebelo, da Fazenda das Pederneiras, em Rio Pardo, acusados
do assassinato do capataz José Joaquim Mariano, foram condenados à morte em 02
de outubro. Rodolfo, de nação Cabinda, e Leopoldo, de nação Congo, em vão
solicitaram graça do Imperador, instituição que fora normatizada em 1826. Como
se vê da ata do Conselho de Estado, em 7/2/1829, a graça lhes foi
negada, e os dois homicidas foram executados em 5 de maio. (APERGS, Cart. do
Júri, P. Alegre, proc. nº 256, maço 6).
OS ENFORCADOS EM PORTO ALEGRE - EXECUÇÕES DA PENA CAPITAL ENTRE 1821 E
1857
Um caso de Alegrete leva ao patíbulo um Caçanje.
No mesmo dia 15 de maio de 1829, subiu à forca o africano Francisco, de
nação Caçanje, escravo de Daniel Francisco Marques, estancieiro de Alegrete.
Em outubro de 1823, a facadas, Francisco matou João dos Santos
Robalo, sogro de seu senhor. Tivera o concurso de outro escravo, Antônio,
africano de nação Benguela, que foi sentenciado às galés por 10 anos, e de um
terceiro que morreu por ferimentos recebidos no ato da captura. O pedido de
graça ao Imperador retardou a execução por alguns meses. Mas o Conselho de
Estado (ata antes citada) opinou contra a concessão do benefício, e a execução
da sentença aconteceu em 15 de maio, com os dois atrás citados. (APERGS, Cart.
do Júri, P. Alegre, proc. nº 215, maço 9).
Na ata da Câmara Municipal de 14/5/1829, ficou o registro
dessas execuções, porquanto os vereadores Fernandes Teixeira e João Ferreira de
Assis justificaram que não poderiam comparecer à sessão do dia seguinte, por
terem sido nomeados pelo Presidente da Província como "juízes da
execução dos réus condenados à pena última".
A propósito destas três últimas execuções, encontra-se no jornal "O
Constitucional Rio-grandense" de 20/5/1829, um ácido comentário
contra os sacerdotes católicos, que não teriam dado nenhuma assistência
religiosa aos sentenciados.
"Sexta-feira, quinze do corrente
se executaram nesta cidade três indivíduos, que haviam sido sentenciados à pena
última; e é voz constante que nenhum só dos srs. sacerdotes se quis prestar à
piedade de subministrar àqueles miseráveis os socorros que sempre foi prática
louvável subministrarem-se em tais ocasiões, isto é, recusaram-se os srs.
sacerdotes de acompanhar os três desgraçados para os animar e fortalecer com
lembranças que inspira a Religião Católica Romana; debalde se gritava por um
sr. sacerdote; todos se encolhiam; um só não houve que se envergonhasse de não
anuir ao primeiro convite que se lhe fizesse para cumprir com dever tão
razoável".
De fato, sempre houve o hábito de se rezarem orações pelo sentenciados à
morte, de se lhes ministrarem os sacramentos e até de se oficiar missa na
Igreja de Nossa Senhora das Dores antes da execução.
Notando-se que os três escravos executados eram, sem exceção, africanos
natos, é possível que faltasse condição de comunicação entre eles e os
sacerdotes. O que, em parte, pode explicar a omissão denunciada pelo jornal.
Condenados
Tribunal do Júri
A década de trinta, do século XIX, trouxe algumas reformas
significativas em matéria de perseguição ao crime.
Em 1830, o Código Criminal, derrogando em parte a legislação tirânica do Livro V
das Ordenações Filipinas, reduziu a incidência da pena de morte, ainda que não
a abolisse.
Em 1832, o Código de Processo Criminal, de feição liberal, instituiu o
Tribunal do Júri e criou a figura do promotor público, com o que separava as
funções instrutória e acusatória. Por isso mesmo, deixava o julgador de ser, ao
mesmo tempo, um inquisidor, como acontecia nos procedimentos penais do antigo
regime.
O Código referido, em seu artigo 332, estabelecia que, para a imposição
da pena de morte, as decisões do Júri teriam de ser unânimes, o que foi
modificado a partir da Lei de 03 de dezembro de
1841, que passou a exigir tão somente a maioria de dois terços.
Entretanto, cabe salientar que, em 1835, as tendências
liberalizantes da legislação foram trancadas pelo advento da Lei de 10 de
junho, nascida como resposta à sedição dos escravos malês na Bahia, que havia
apavorado os senhores e o próprio Império escravista. Endereçada
especificamente aos cativos que praticassem violência contra seus senhores,
punia com morte não apenas os homicidas, mas também os autores de ferimentos
graves. De resto, nos mesmos casos, derrogava a exigência da unanimidade do
conselho de sentença para a imposição da pena capital, bastando que houvesse o
consenso de dois terços dos jurados. E o que é pior, em termos de iniqüidade,
eliminava o direito de recurso contra as decisões condenatórias e o protesto
por novo júri. O que levou o Conselheiro Paula Pessoa, comentarista da
legislação processual do Império, a uma sintética exclamação: "Cousa
bárbara!"
Um gesto de brandura do poder de estado foi a Lei de 11 de setembro
de 1826, que regulamentou o pedido de graça ao Imperador, em favor dos condenados
à pena última. Depois de intimada a sentença de morte ao réu, deveria este,
dentro de 8 dias, dirigir a petição de graça ao Poder Moderador; e, na falta do
pedido, o Juiz de Direito que houvesse presidido o julgamento, deveria remeter
cópia da sentença, acompanhada de cópias dos libelos e contrariedades. Só
depois da decisão denegatória do Poder Moderador, poderia a sentença de morte
ser executada.
Ressalvadas as disposições de 1835, antes referidas, que
refletiam o terror pânico da sociedade escravista diante das revoltas de
escravos, as mudanças legislativas denotavam que a pena capital começava a
sofrer restrições jurídicas e a ser limitada por cuidados específicos. O aviso
ministerial nº 414, de 25/11/1834, determinava que a pena extrema seria executada onde
tivesse sido o réu sentenciado, e então se levantaria a forca, que seria
demolida logo depois da execução.
A recomendação trazia implícita a afirmação da excepcionalidade do
castigo e certo decoro público em relação ao suplício dos infelizes condenados.
Daí em diante, pelo menos em Porto Alegre, sempre ocorreram dificuldades para a
ereção da forca, o que por vezes ficou consignado em documentos da Câmara
Municipal. Também resulta claro que, após esse Aviso de 1834, só terão sido
executados em Porto Alegre os sentenciados da própria comarca. Ao contrário do
período da Junta da Justiça, em que a maioria das execuções ligava-se a crimes
praticados no interior da Capitania ou da
Província.
O Júri popular pede a primeira cabeça.
OS ENFORCADOS EM PORTO ALEGRE - EXECUÇÕES DA PENA CAPITAL ENTRE 1821 E
1857
O primeiro condenado à pena máxima pelo Júri de Porto Alegre foi o preto
Luís, africano da Ilha de São Tomé e ex-escravo de Antônio Francisco Pereira de
Jardim. Tratava-se de um sentenciado que, na Cadeia da Justiça, cumpria pena de
prisão perpétua pelo homicídio de uma personalidade saliente na comunidade
local: do ex-vereador, escrivão da Santa Casa e administrador do Correio,
Manoel da Silva Lima.
No dia 09 de março de 1834, no recinto da Cadeia, Luís envolveu-se
em conflito com outro preso - o índio guarani José Machado -, e o matou a
porretadas na cabeça, deixando-lhe expostos os miolos, segundo registro do auto
de exame de corpo de delito.
Acusado pelo promotor público interino José Joaquim de Alencastro e
defendido por Serafim dos Anjos França, Luís foi condenado à morte pelo Júri da
Capital em 26 de abril do mesmo ano, ou seja, menos de 50 dias depois do fato.
Como a gravidade da pena desse direito a protesto por novo julgamento, Luís foi
submetido (na forma do art. 308 do Código de Processo) ao Júri do município
mais próximo, no caso Triunfo, em 14 de julho do mesmo ano. Foi ali acusado
pelo promotor Manoel José de Leão Filho e defendido pelo solicitador Antônio
Ceverino Peixoto, sendo novamente condenado à morte pela unanimidade do
conselho de sentença, tal como acontecera em Porto Alegre. Presidiu os
julgamentos o Juiz de Direito Pedro Rodrigues Fernandes Chaves. A petição de
graça foi indeferida pelo governo da Regência em 11/11/1834, sendo então ordenada
a execução da sentença, a cargo do Juiz Municipal de Porto Alegre, Vicente
Ferreira Gomes. O suplício ocorreu em 23 de dezembro, certificado assim pelo
Escrivão Luís Antônio da Silva:
"Certifico que o réu que
menciona o pregão supra, vestido com a roupa do seu uso, foi conduzido pelas
ruas mais públicas até a forca, acompanhado do Juiz Municipal Vicente Ferreira
Gomes, comigo Escrivão abaixo assinado, cujo pregão supra foi lido em altas
vozes em todas as esquinas da rua e no lugar do patíbulo pelo Oficial de
Justiça João Alves Pereira Val Porto que serviu de Porteiro, no impedimento de
moléstia do respectivo; presidindo o mesmo Juiz a execução feita ao Réu, até a
ultimação da mesma execução, do que de tudo dou minha fé de ver e presenciar e
assistir nesta Cidade de Porto Alegre aos 23 de dezembro de 1834".
Era o 13º sentenciado que subia ao patíbulo na capital da Província, a
contar do ano de 1821. (APERGS, Cart. do Júri de Porto Alegre, 1834, maço nº
18, proc. nº 458; AHRS, Fundo Justiça, códice J-049).
Morre um cativo do Cônego Salgado.
O cativo José, de nação Congo, da Herança do Cônego João Batista Leite
de Oliveira Salgado, que foi executado em 19 de janeiro de 1841, é um caso singular de
justiça atrabiliária e confusa. O Cônego Salgado era grande fazendeiro na
região da Barba Negra (hoje Barra do Ribeiro), onde tinha campos de criação e
charqueada. E, naturalmente, uma lancha ou iate para garantir as comunicações
com Porto Alegre através do Guaíba.
Em fevereiro de 1837, num dos intervalos do sítio da Capital
pelos farroupilhas, a lancha do Cônego empreendeu viagem de Porto Alegre para a
Barba Negra, levando como patrão José Antônio de Fraga, ajudado por quatro
escravos. A viagem foi um tanto morosa por falta de ventos, e, após uma parada
na Ponta Grossa, houve um pernoite forçado na Ponta do Jacaré, onde o escravo
José teria agredido o patrão da lancha e o matado a machadadas, enquanto
dormia. A seguir, ele e os outros cativos, apropriando-se da carga da lancha,
retornaram a Porto Alegre. Presos na Capital, José foi incriminado pelos
parceiros e recolhido à Cadeia. Dos autos consta uma sugestiva carta do Cônego
Salgado, pedindo que o Juiz de Paz mandasse aplicar açoites em José, sem os
quais ele não confessaria o crime.
O falecimento do Cônego em 1º de outubro de 1837, mais os incidentes do
sítio de Porto Alegre, terão concorrido para esquecer-se o africano José até meados de 1839, sem processo e muito
menos julgamento. Até que o Carcereiro oficiasse ao Juiz de Paz para saber o
que fazia na Cadeia aquele escravo do falecido sacerdote e fazendeiro.
Reativou-se então o procedimento penal, com despacho de pronúncia em 4/6/1839 e
o júri em 21 de setembro de 1840. Enquadrado no artigo 1º da draconiana
Lei de 10/6/1835, o africano foi condenado à morte, por votação unânime, sendo
acusado pelo promotor Lourenço Júnior de Castro e defendido pelo Dr. João
Rodrigues Fagundes. Tendo sido negada a concessão do perdão pelo Poder
Moderador, o enforcamento consumou-se em janeiro seguinte, quase quatro anos
depois do fato criminoso. (APERGS, Cart. do Júri, P. Alegre, proc. nº 622, maço
22).
Executa-se um escravo do vice-cônsul da França.
Ao contrário do caso anterior, de moroso procedimento, o do africano
Manoel, de nação Cabinda, escravo do vice-cônsul francês Marcos Pradel, teve
rápida tramitação.
À noite de 03 de fevereiro de 1840, num sobrado da Rua da Praia, onde
morava o comerciante Marcos Pradel, foi este alvo de uma tentativa de homicídio
pelo referido cativo. Profundo golpe de faca no pescoço não deixou dúvidas à
autoridade processante quanto à natureza do crime. Consta, aliás, da confissão
do preto Manoel, que pretendera matar seu senhor, cansado que estava de sofrer
castigos violentos e de trabalhar em excesso. Enquadrado também no artigo 1º da
Lei de 10/6/1835, foi condenado à morte pelo júri em 22/9/1840, muito embora a vítima
só tivesse sofrido ferimentos graves. A sentença foi lavrada pelo juiz de
direito Dr. Manoel Paranhos da Silva Vellozo; curador do réu era o Dr. Israel
Rodrigues Barcelos e advogado da acusação o Dr. João Capistrano de Miranda e
Castro. Não funcionou promotor público, porque havia acusador particular.
Também negada a concessão de graça pela Coroa, a execução consumou-se no
fatídico 19 de janeiro de 1841, mesmo dia do enforcamento do congo
José, que antes relatamos. A cidade recém se livrara do sítio dos farroupilhas.
(APERGS, maço 22, proc. nº 628, POA).
O preto forro que matou um parceiro de cadeia.
Joaquim Pereira não era escravo; era preto forro, uma difícil condição
dentro da sociedade escravista, onde a teórica liberdade não superava
preconceitos vários e restrições legais escancaradas. Era africano, natural da
Costa da Guiné e fora peão campeiro em Pelotas, com idade aproximada de 40
anos. Por um triplo homicídio, cumpria pena de prisão perpétua na Cadeia de
Justiça da Capital, onde se achava acorrentado a outro recluso, um "preto
velho" segundo os autos, de nome Antônio, escravo de Maria Francisca.
Em 25 de março de 1839, desentendendo-se com o companheiro de
corrente, adonou-se de uma faca da cozinha e o esfaqueou até à morte. Acusado
pelo promotor Lourenço Júnior de Castro e defendido pelo Dr. João Capistrano de
Miranda e Castro, o réu foi condenado à morte pelo Júri da Capital, em 19/9/1840, sob a presidência do
juiz de direito Dr. Manoel Paranhos da Silva Vellozo. Protestando por novo
julgamento, submeteu-se ao Tribunal do Júri da comarca de Rio Grande em 23/4/1841, sendo então acusado
pelo promotor Carlos Antônio da Silva Soares e defendido pelo Bacharel Cândido
Alves Pereira, sob a presidência do juiz Dr. Manoel José de Freitas Travassos
Filho; o resultado foi nova condenação, unânime. E tendo a petição de graça
denegada, foi supliciado na forca em 29 de outubro de 1841, em Porto Alegre.
(APERGS, Cart. do Júri de Porto Alegre, maço 21, proc. nº 612).
OS ENFORCADOS EM PORTO ALEGRE - EXECUÇÕES DA PENA CAPITAL ENTRE 1821 E
1857
Por ferimentos no senhor, mais outra execução.
Em 30 de setembro de 1842, em Sapucaia, na cozinha da casa de seu
senhor, Alferes Francisco Pereira Pinheiro, o crioulo Agostinho, natural de
Gravataí, insurgiu-se contra o patrão e o feriu com um facão, fugindo a seguir
para Porto Alegre, onde se apresentou e confessou o delito. Segundo a prova
colhida e a própria confissão do réu, este espancara uma companheira de
cativeiro, a parda Miguelina, e o senhor ordenara a outro escravo que o
amarrasse, para castigá-lo. Resistindo a essa resolução é que Agostinho
agredira o senhor, enquadrado na Lei de 10/6/1835 pelo libelo do
promotor Luiz Alves Leite de Oliveira Bello, o réu foi a júri em 02 de março de
1843, sendo condenado à morte. O julgamento foi presidido pelo juiz de direito
Dr. Agostinho de Souza Loureiro, sendo o acusado defendido pelo Dr. João
Rodrigues Fagundes. Denegada a petição de graça, foi o réu executado em 09 de maio de 1844. (APERGS, P. Alegre,
maço nº 23, proc. nº 659).
O crioulo Domingos mata o capataz e vai à forca.
Os matos de Sapucaia, na costa do rio dos Sinos, certamente não eram
território muito pacífico. Domingos, cativo crioulo, ou seja, nascido no
Brasil, e propriedade de dona Isabel Maria da Conceição, trabalhava em cortes
de madeiras, sob as ordens do administrador José Pereira Dias, em terras
pertencentes a José Hipólito Teixeira.
No dia 20 de abril de 1846, revoltado contra o referido
administrador, Domingos agrediu-o a golpes de machado, causando-lhe a morte.
Enquadrado na Lei de 10 de junho de 1835, foi julgado pelo Júri de Porto Alegre em 4/9/1846 e unanimemente
condenado à morte. Funcionaram como promotor o Dr. Antônio Alves Guimarães
d'Azambuja; como defensor e curador do réu o Dr. João Capistrano de Miranda e
Castro; e como juiz presidente do Júri o Dr. Manoel José de Freitas Travassos
Filho. Depois de denegada a concessão de graça pelo Imperador, a execução
consumou-se no dia 22 de janeiro de 1847. (APERGS, Cart. do Júri de P. Alegre,
proc. nº 734, maço 25). Do processo de sua execução, que também examinamos,
consta a minudente certidão que a seguir transcrevemos:
Certifico que no dia d'hoje, em cumprimento do Aviso retro da Secretaria
dos Negócios da Justiça, se deu cumprimento à execução da sentença constante da
ordem executora retro, pela forma seguinte: Às oito horas, achando-se na Cadeia
Pública o Juiz Municipal suplente Manoel José da Câmara, comigo Escrivão abaixo
assinado, o Provedor e mais irmãos da Santa Casa de Misericórdia e sacerdotes,
uma guarda de infantaria de linha do 7º Batalhão de Caçadores e outra da
Cavalaria de Polícia, fez o mesmo Juiz seguir o réu sentenciado, o crioulo
Domingos, escravo que foi de D. Izabel Maria da Conceição (depois de assistido
de todos os sacramentos religiosos), com seu vestido ordinário pelas ruas da
Ponte, Bragança e da Praia até o lugar da forca, onde a mesma se achava
levantada, e aí depois de ser praticado para com o Réu todas as cerimônias
religiosas e de caridade, e assistido à missa do estilo na Igreja de N. Sra.
Das Dores, foi dada ao mesmo Réu pelo carrasco a morte na conformidade da mesma
sentença; que depois o Juiz se haver certificado ter o mesmo Réu sucumbido à
existência, foi seu corpo encomendado pelo Reverendo coadjutor José Ignº de
Freitas, e entregue o seu cadáver à Irmandade da Misericórdia, que o fez
conduzir em esquife para o seu cemitério, onde foi sepultado; a cujo ato
assistiu o Porteiro João Frz. de Olivr.ª, a qual apregoou antes pelas ditas
ruas a sentença condenatória do Réu. O referido é verdade, do que dou
fé.
Porto Alegre, 22 de jan.ro de 1847
O Escr.am das Execuções
Crimes
(ass.) José Pedro de Carvº Morª."
(APERGS, Execuções-crime, Cart. do Júri, Porto Alegre, autos nº 4108,
maço 125).
O escravo da casa de Domingos José Lopes se tornou famoso.
A tradição oral comete seus pecados. E a História escrita sem a busca de
documentos não raro atropela a verdade. Numa de suas primorosas crônicas,
intitulada "A Praça da Harmonia", Aquiles Porto Alegre, descrevendo o
merencório e lúgubre Largo da Forca, escreveu: "O último
desgraçado que lá perdeu a cabeça, foi o escravo de Domingos José Lopes, que
tentou contra a existência do senhor". Enganou-se Aquiles, e, em sua
esteira, outros cronistas que o repetiram sem
exame.
A informação de Aquiles Porto Alegre nos fez perder tempo na procura de
processo contra escravo de Domingos José Lopes, que nenhum foi encontrado no
Arquivo Público do Estado. Em verdade, o cativo Manoel, pivô do caso, morava em
casa daquele comerciante, mas pertencia a Fermiano Pereira Soares, cunhado de
Domingos. Este último se incumbira de o vender em Porto Alegre, e Manoel
habitava sua senzala, em casa da esquina da Rua da Praia com a atual Vasco Alves.
De resto, Manoel foi executado na forca em fins de 1854, não sendo o último
dos enforcados da Capital, como adiante se verá. Esse mesmo sentenciado parece
ter dado origem à lenda das torres malditas da Igreja das Dores. No momento da
execução - reza a lenda sem nenhuma confirmação documental -, o réu teria
profetizado que a Igreja jamais ficaria pronta, tradição que foi alimentada
pelo extraordinário retardo sofrido na construção daquele tempo, apenas
concluído em 1906.
O exame do processo não permite concluir que o réu protestasse
inocência. Não houve negativa de autoria. O baiano Manoel, de 29 anos, no dia 09 de janeiro
de 1853, um sábado, insubordinou-se contra a ordem de Domingos, que mandava os
escravos de sua casa trocarem de roupa todos os sábados. Desobedeceu, e quando
Domingos quis aplicar-lhe a bárbara disciplina do vergalho, reagiu contra o
senhor e contra os outros três cativos que secundavam o patrão. Matou o escravo
Gaspar a golpes de faca e feriu gravemente os parceiros Felizardo e Antônio.
Afinal foi dominado.
OS ENFORCADOS EM PORTO ALEGRE - EXECUÇÕES DA PENA CAPITAL ENTRE 1821 E
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O processo foi rápido, e o júri, realizado em 26 de abril do mesmo ano,
condenou o baiano Manoel à morte, sendo presidente o Juiz de Direito Manoel
José de Freitas Travassos Filho, promotor público o Dr. Antônio José de Moraes
Jr., e defensor do réu, o solicitador Francisco Xavier Pereira de Brito. Houve
apelação "ex officio", que não foi conhecida pela Relação do
Rio de Janeiro, sob o fundamento de que a lei aplicada - a especial de 10/06/ 1835 -, não comportava o
pretendido reexame da causa. Negada também a concessão do imperial perdão,
Manoel foi executado às onze horas da manhã de 9 de novembro de 1854. (APERGS,
Cart. do Júri, P. Alegre, maço nº 120 (Execuções), proc. nº 3880; AHRS, fundo
Justiça, "Atas do Júri", códice J-52).
O assalto ao português Manoel José
Tavares
Foi o primeiro grande latrocínio ocorrido em Porto Alegre. De súbito, no
inverno de 1854, desapareceu o português Manoel José Tavares, dono de um "negócio de
molhados" à Rua da Igreja (Duque de Caxias), esquina da Rua Direita (General
Canabarro). Bem antes de seu corpo ser encontrado a boiar junto à foz do
Riacho, em avançada decomposição, as investigações haviam começado com muito
empenho, acompanhadas até pelo Cônsul de Portugal. Traídos por ex-companheiros,
a quem fizeram confidências, foram descobertos os autores do crime: Domingos
José Baptista, 38 anos, casado, do comércio, residente em Cachoeira; o
ex-sargento Félix Rodrigues de Oliveira, 40 anos, desempregado; e o jovem
porto-alegrense Israel da Silva Ramos. Foi este último quem desenrolou o fio da
meada, denunciando seus parceiros, que começaram negando a autoria do
crime.
Domingos era alagoano e Félix, pernambucano; por isso se diziam "filhos do
Norte" e informaram que seus pais mantinham relações de amizade. Ambos
tinham vindo para o Rio Grande do Sul como soldados do Exército. Aprisionado
pelos farroupilhas na batalha de Taquari (1840), Domingos ficou a serviço dos
rebeldes como tenente quartel-mestre, até à pacificação da Província. Depois se
estabelecera com comércio próprio e prosperara, segundo alegou. O pernambucano
Félix atingira no Exército o posto de sargento, servira em Montevidéu na
campanha contra Oribe e Rosas, mas, dispensado com baixa, achava-se em Porto
Alegre desempregado. Morava, Félix, numa casa alugada à Rua do Arvoredo nº 27
com fundos para a Rua da Varzinha. E foi para ali, na noite de 17 para 18 de
agosto, que o português Tavares foi atraído, a título de negociar uma
"marquesa" usada. Jovem e solteiro, estabelecido com comércio
próprio, ganhara fama de rico, tornando-se alvo da cobiça dos criminosos.
Segundo o relato do cúmplice Israel, Tavares, logo depois de entrar na
casa do Sargento Félix, foi assaltado a golpes de facão por Domingos e Félix. A
seguir, os mesmos puseram seu cadáver num saco e o transportaram até à margem
do Guaíba, conduzindo-o numa canoa até um local fundo, onde se livraram da
carga. Voltaram à praia, onde Israel os esperava, e juntos foram até à Rua da
Igreja, onde saquearam o que puderam no botequim da vítima. Aconteceu aí certa
decepção, porque não havia a esperada riqueza entre os pertences de Tavares. A
investigação policial foi minuciosa, havendo nos autos levantamento do local do
crime, exame pericial de vestígios de sangue, etc.
Pronunciados os três réus, foram eles ao julgamento do Júri em 27 de abril de
1855. O defensor do co-réu Israel, Dr. Antônio Ângelo Cristino Fioravanti,
conseguiu a separação do julgamento, de sorte que seu defendido fosse julgado
no dia imediato, recebendo a pena de 20 anos de prisão com trabalho. Quanto a
Domingos e Félix, foram unanimemente sentenciados à pena capital. Na
presidência do Júri estava o Dr. Miguel de Castro Mascarenhas; na promotoria
pública o Dr. João Capistrano de Miranda e Castro. Quanto ao defensor de ambos
os co-réus, foi o Padre Francisco de Paula Macedo, um sacerdote experimentado
na tribuna forense.
O recurso de apelação para o tribunal do Rio de Janeiro não teve bom
êxito. E o pedido de graça ao Imperador somente retardou por mais um ano a
execução.
Em 03 de novembro de 1857, os dois nordestinos e ex-soldados
subiram ao patíbulo. Num dia que demarcou os últimos enforcamentos oficiais na
capital gaúcha. (APERGS, Cart. do Júri, P. Alegre, maço nº 120, proc. nº 3283,
/translado).
O último homicida punido com pena de morte.
Tendo sido três os enforcamentos do dia 03 de novembro de 1857, a documentação não
elucida qual tenha sido o último dos supliciados. O homicida mais recente era,
entretanto, o baiano Florêncio, de 22 anos, escravo do finado Tenente Antônio
Borges de Almeida Leães.
Em 15 de maio de 1856, numa chácara do distrito de Belém (o
atual Belém Velho), pelas 14 horas, Florêncio reagiu com 4 facadas em seu
senhor, à tentativa de castigá-lo fisicamente. Outros escravos intervieram em
favor do patrão e Florêncio foi detido. Mas o Tenente Leães, da Guarda Nacional,
faleceu algumas horas mais tarde.
Como todos os procedimentos contra cativos que agrediam o senhor, teve
rápida tramitação. Na sessão do Júri de 1º de agosto de 1856, por votação unânime
dos jurados, Florêncio foi condenado à morte. A título de curiosidade,
registre-se que, do conselho de sentença, participava José Joaquim de Campos
Leão, imortalizado como Qorpo Santo, escritor e autor teatral.
Negada a graça imperial ao sentenciado, foi ele executado no mesmo dia
dos assaltantes nordestinos, que antes referimos. (APERGS, Cart. do Júri, P.
Alegre, maço nº 31, proc.
913).
Por esse tempo, a cidade já possuía até revista literária, no caso O
GUAYBA, que em sua edição dominical de 8/11, dedicou uma crônica ao episódio
dos enforcamentos:
"Mas entretanto muita gente que
não sabe o que é a vida para saber tremer diante da idéia do extermínio,
rodeava no outro dia o cadafalso, onde a eternidade desenvolvendo a sua imensa
fauce abria o seio da paz para receber 3 vítimas. E todos transidos de dor
assistiam a esse espetáculo de verdadeiro estrangulamento: não é pena morrer
quando se é nocivo à sociedade, mas é pena encarar por dez minutos o combate
entre a vida e a morte, e ver um quase cadáver libar a última gota do seu
arrependimento".
OS ENFORCADOS EM PORTO ALEGRE - EXECUÇÕES DA PENA CAPITAL ENTRE 1821 E
1857
O cronista deplorou a demora do processo de
enforcamento:
"... queria que o homem não
sofresse tanto, que a demora da vida nesses longos paroxismos é hedionda".
Comparou-a ainda a uma morte a fogo lento, uma tortura de Inquisição. E
destacou o sermão fúnebre do Padre Paiva, possivelmente o padre catarinense
Joaquim Gomes d'Oliveira e Paiva, que então dirigia o Liceu Dom Afonso em Porto
Alegre e era famoso orador sacro:
"Eu não disse metade do que
queria, mas o que havia de dizer se o ilustre padre Paiva me tomou todos os
assuntos? Ouvi-o em lágrimas, porque ele era mais a voz da religião que da
moral, porque ele era o padre brasileiro e não o filósofo legislador".
(...) "Honras lhe são dadas: o orador sagrado preencheu a sua missão,
ungindo suas palavras mais com o bálsamo da religião, do que com o pensamento
do código socialístico".
(Cfr. Revista O GUAYBA, biblioteca do
IHGRGS)
Conclusões
Este apanhado histórico dos enforcamentos penais realizados em Porto
Alegre - capítulo macabro da crônica citadina -, não representa um estudo
exaustivo sobre a aplicação da pena de morte entre nós, até porque a "pena
última", como então se dizia, foi aplicada e executada também nas outras
comarcas da Província.
Ainda que os últimos enforcamentos tenham ocorrido em novembro de
1857, a pena capital permaneceu cominada no Código Criminal do Império e só
foi derrogada com o advento da República e do Código Penal de 1890. Quanto às comarcas
do interior, não sabemos se 1857 foi também o derradeiro ano das execuções na
forca.
Sem termos prosseguido na varredura sistemática de processos-crime para
além do ano de 1857, assim mesmo vimos no livro Rol de Culpados da comarca da Capital
(AHRS, códice J-055) o registro de condenações à morte posteriores àquele ano,
como a de um escravo do falecido João São Marcos, de nome Manoel Bode,
condenado em sessão do Júri de 20 de março de 1862. De igual modo, o
acusado José Ramos, responsável pelos famosos crimes da Rua do Arvoredo, no seu
primeiro julgamento, em 12 de agosto de 1864, foi condenado à pena
capital (fls. 18 do livro citado). É certo, entretanto, que tais sentenças não
tiveram execução, seja pelo provimento de recursos judiciais, seja por efeito
de novos julgamentos, seja pela concessão da graça imperial.
É fora de dúvida que, na esteira do célebre "caso Manuel
da Mota Coqueiro" - execução ocorrida em Macaé-RJ, em 06 de março de
1855, que se propalou na imprensa e até na literatura como um erro judiciário,
o Imperador passou a conceder comutação de pena a todos os sentenciados à
morte. O horror de uma possível condenação equivocada ou injusta somente
sensibilizou os poderes da Nação, quando enforcado um fazendeiro rico, segundo
era o caso de Coqueiro. Este integrava a camada social que era o esteio do
Império. E não se destinavam a ela os rigores da lei penal...
Se estudarmos o elenco dos enforcados de Porto Alegre, entre os anos de
1821 e 1857 - 22 ao todo -, vamos encontrar 16 escravos, sendo sete africanos e nove
crioulos. Parece claro que a pena de morte era instituto inerente ao
escravismo, instrumento de ameaça e sujeição aos dominados. Extinto o cativeiro em 1888, já não se julgou
indispensável a manutenção da pena capital, que o Código de 1890 baniu
definitivamente.
Aos que empreenderem pesquisa similar à nossa em autos criminais,
advertimos de que sempre será necessário examinar os desdobramentos finais do
caso judicial. Os protestos por novo júri, quando cabíveis, possibilitavam às
vezes sentenças mais benignas: o africano Anastácio, escravo de Manoel
Gonçalves Cruz, que em 15/12/1848 sofreu condenação à morte por um homicídio
praticado na "estrada do Telles" (Caminho do Meio), num segundo Júri, em 21/9/1849, recebeu sentença de
600 açoites e a obrigação de usar um ferro no pescoço pelo espaço de 1 ano. E
não se trata de caso único. Também houve a hipótese de condenados à pena
capital que, por doentes, vieram a morrer em leito da Santa Casa de
Misericórdia, poupados ao suplício. Foi este o caso do réu Joaquim, escravo
africano de Francisco Vargas Escovar, que tendo sido condenado pelo Júri, veio
a morrer na Santa Casa em 20/8/1849.
Das observações que a pesquisa nos permitiu fazer "a
latere" do objetivo principal, queremos salientar a que se refere à diferença de
tratamento penal entre homens e mulheres. Estas, sem dúvida, eram encaradas com
mais benignidade, seja pela antiga Junta de Justiça, seja pelo Tribunal do
Júri. O crime mais hediondo de quantos processos examinamos foi o de uma
escrava Eva, de Gravataí, que, em torno de 1850, matou friamente três
crianças, netas de seu senhor. O Júri, todavia, não lhe aplicou a sanção
máxima, apenando-a com "20 anos de prisão com trabalho", o que contrasta
vivamente com o tratamento dispensado a criminosos homens, portadores de bem
menor temibilidade.
- A mulher nenhuma se impôs o suplício da forca.
AHRS - Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul
APERGS - Arquivo Público do Estado do RGS
IHGRGS - Instituto Histórico e Geográfico do RGS
Curiosidade
- O Museu de Percurso do Negro em Porto Alegre é um projeto com a
proposta de conceder a visualização de espaços e prédios marcantes para a etnia
negra, gerando percursos através da construção de marcos esculturais.
- As esculturas fazem referencia a passagem dos ancestrais por esses
lugares.
No dia 09 de abril de 2010, na Praça Brigadeiro Sampaio, às 17
horas, foi inaugurado o tambor que simboliza a passagem do povo africano pela
cidade. A obra foi criada pelos artistas Pelópidas Thebano, Marco
Antônio dos Santos, Gutê, Adriana Xaplin e Leandro
Machado. A peça é composta por uma estrutura metálica, revestida de estuque
(pó de mármore com cal, gesso e areia) e tem quase dois metros de altura.
Praça Brigadeiro Sampaio
Antiga Ponta das Pedras, Largo da Forca,
Praça do Arsenal e Praça da Harmonia, Praça Martins Lima e Praça Três de
Outubro
Última
aplicação da pena de morte no Brasil
Arquivo Nacional - Ricardo Westin
Jornal de Alagoas narrou em detalhes última pena de
morte executada no Brasil
Cidade
reconstitui todo ano, desde 2001, enforcamento do negro Francisco
Completam-se neste mês 140 anos da execução da
última pena de morte no Brasil. O governo imperial aprovou em 1835 uma lei
dedicada a punir exemplarmente os negros que matavam seus senhores, mas dom
Pedro II decidiu abandoná-la em 1876
A pacata cidade de Pilar, na província de Alagoas,
amanheceu tumultuada em 28 de abril de 1876. Calcula-se em 2 mil o público de
curiosos, inclusive vindos das vilas vizinhas, que se aglomerou para assistir à
execução do negro Francisco.
O escravo fora condenado à forca por matar a
pauladas e punhaladas um dos homens mais respeitados de Pilar e sua mulher. O
assassino recorreu ao imperador dom Pedro II, rogando que a pena capital fosse
comutada por uma punição mais branda, como a prisão perpétua. O monarca, poucos
dias antes de partir para uma temporada fora do Brasil, assinou o despacho: não
haveria clemência imperial.
Acorrentado ao carrasco e com a corda já no pescoço,
Francisco percorreu as ruelas da cidade num cortejo funesto até o ponto em que
a forca estava armada. Na plateia havia escravos, levados por seus senhores
para que o caso lhes servisse de exemplo.
— Peço perdão a todos, e a todos perdoo — disse ele,
antes de morrer, à multidão atônita
Há exatos 140 anos, essa foi a última pena capital
executada no Brasil. Depois de Francisco, nenhum criminoso perdeu a vida por
ordem judicial. Encerrava uma prática que vinha desde o Descobrimento — basta
pensar no índio que o governador-geral Tomé de Souza mandou explodir à boca de
um canhão em 1549 ou em Tiradentes, enforcado e esquartejado em 1792, ou ainda
no frei Caneca, fuzilado em 1825.
Galés
Perpétuas
Francisco, porém, foi condenado com base numa lei de
1835 que mirava exclusivamente os negros cativos. Ela dizia que seria condenado
à morte o escravo que matasse ou ferisse gravemente seu senhor ou qualquer
membro da família dele.
Talvez essa tenha sido a lei mais violenta e
implacável de toda a história brasileira. A norma não admitia a hipótese de o
criminoso continuar vivo — pelas leis anteriores, havendo atenuantes, ele
poderia ser condenado à prisão ou a galés perpétuas (trabalhos forçados para o
governo), no lugar do enforcamento.
Além disso, a lei de 1835 exigia o voto de apenas
dois terços dos jurados do tribunal para a condenação à forca — até então, a
pena capital requeria a unanimidade do júri. E, por fim, ela não permitia
apelações pela mudança da pena — antes, o condenado podia interpor inúmeros
recursos judiciais às instâncias superiores.
O historiador Ricardo Figueiredo Pirola, autor de
Senzala insurgente (Editora Unicamp), diz:
— Havia pena de morte para os livres que cometiam
homicídio, mas para eles a legislação continuou como antes, com alternativas à
forca. O endurecimento afetou só os cativos. De 1835 em diante, escravo
condenado era escravo enforcado: “lance-se logo a corda e pendure-se o réu”.
Documentos históricos mantidos sob a guarda do
Arquivo do Senado, em Brasília, mostram que o projeto da lei de 1835 foi
proposto pela Regência como forma de conter as crescentes rebeliões escravas. A
Regência foi o governo-tampão da conturbada década de 1830, entre a abdicação
de Pedro I e a maioridade de Pedro II.
“As circunstâncias do Império em relação aos
escravos africanos merecem do corpo legislativo a mais séria atenção. Alguns
atentados recentemente cometidos contra fazendeiros convencem dessa verdade”,
escreveu o ministro da Justiça no preâmbulo do projeto, remetido à Câmara e ao
Senado em 1833. “A punição de tais atentados precisa ser rápida e exemplar.”
Os “atentados recentemente cometidos” a que o
ministro se refere ocorreram nas províncias da Bahia, de São Paulo e de Minas
Gerais, onde escravos atacaram seus senhores por não mais aceitarem castigos
violentos e trabalhos extenuantes ou por serem vendidos para outros pontos do
país, sendo separados da família, por exemplo.
O caso mais rumoroso ocorreu em São Tomé das Letras,
no sul de Minas Gerais, em 1833, e ficou conhecido como Revolta de Carrancas.
Escravos fizeram uma espécie de arrastão pelas fazendas da região, matando
famílias inteiras de latifundiários.
Terror
Episódios desse tipo deixavam a elite rural
aterrorizada. Havia o temor de que se produzisse algo semelhante à Revolução
Haitiana, onde os negros haviam se revoltado, assumido o poder e abolido a
escravidão.
A elite não teve dificuldades para ver o projeto
contra os negros prosperar. Primeiro, porque a lavoura era o grande motor da
economia, e o Império tinha total interesse em protegê-la. Depois, porque os
próprios políticos, na maioria, eram escravocratas.
Entre as vítimas de Carrancas, estavam parentes do
deputado Gabriel Francisco Junqueira (MG), que só escapou da matança porque se
encontrava na Câmara, no Rio, não em sua fazenda. Um dos regentes da Regência
Trina Permanente (1831- 1834) foi José da Costa Carvalho, dono de vastas terras
e dezenas de escravos em São Paulo.
Também os senadores tinham escravos. Da tribuna do
Palácio Conde dos Arcos, a sede do Senado, o senador Silveira da Mota (GO)
defendeu a lei de 1835 narrando um incidente familiar:
— Chegando ontem a minha casa, minha família
recorreu a mim, assustada por um fato que tinha se dado no meu lar doméstico.
Um escravo meu, apenas mui brandamente advertido, insubordinou-se a ponto de,
armado, ameaçar minha mulher. Felizmente, minha filha mais velha teve o bom
senso de conter a indignação que o fato tinha excitado e de apelar somente para
minha chegada. É um crioulo de casa, que é muito bem tratado e há poucos dias
tinha recebido dinheiro de minhas mãos.
Foi a trágica Revolta de Carrancas que apressou a
elaboração do projeto da severa lei de 1835. A insurreição se deu em maio de
1833 e logo no mês seguinte a Regência apresentou a proposta. A aprovação
ocorreu sem sobressaltos. O texto passou duas vezes pela Câmara e uma pelo
Senado, sofrendo alterações mínimas.
Entretanto, muito pouco se sabe sobre o teor das
discussões no Senado. Em 1834, o senador Marquês de Caravelas (BA) apresentou
um requerimento para que o debate fosse secreto, por ser “pouco político”
tratar em público de um tema tão delicado. Um dos documentos da época guardados
no Arquivo do Senado explica que, “apesar da oposição de alguns ilustres
senadores”, o pedido foi aceito.
Um grande levante negro na Bahia acelerou a
aprovação definitiva do projeto. Foi a Revolta dos Malês, em Salvador. O saldo
dos embates entre cativos e soldados foi de dezenas de mortes. A revolta
explodiu em janeiro de 1835, a segunda aprovação da proposta na Câmara veio em
maio e a sanção da Regência ocorreu em junho.
Manobra
Imperial
Nas duas primeiras décadas, a lei de 1835 levou
centenas de escravos rebeldes à forca. Aos poucos, porém, dom Pedro II foi
afrouxando as condenações. Em 1854, ele decidiu que todo escravo condenado à
punição capital ganharia o direito de apelar à clemência imperial, pedindo o
perdão ou pelo menos a comutação da pena, assim como já ocorria com os brancos.
O monarca cada vez mais cedia às súplicas. A última
execução de um homem livre ocorreu em 1861. Os escravos precisariam de mais
tempo para se livrarem da pena capital. Francisco, o negro de Pilar, foi
enforcado em 1876.
Apesar de os tribunais continuarem sentenciando a
pena de morte até o fim do Império, em 1889, as forcas foram definitivamente
aposentadas uma década antes. E isso aconteceu sem que se revogasse a lei de
1835, apenas com as repetidas clemências imperiais.
De acordo com o historiador Ricardo Alexandre
Ferreira, autor do livro Senhores de poucos escravos (Editora Unesp), a
manutenção da lei, mas sem sua execução, foi uma decisão calculada de dom Pedro
II:
— O imperador era contrário à pena de morte, mas
sabia que despertaria a ira das elites agrárias que lhe davam sustentação se
abolisse oficialmente a lei que as protegia. Preferiu agir com cautela e manter
a lei.
Há várias hipóteses para a aversão do imperador às
execuções. Uma das mais plausíveis é que ele foi influenciado pelas ideias do
escritor francês Victor Hugo, crítico ferrenho da escravidão e da pena de
morte. Dom Pedro II foi recebido duas vezes em Paris pelo autor de O Corcunda
de Notre-Dame naquela longa temporada no exterior iniciada logo após negar
clemência ao escravo Francisco. De fato, depois dessa viagem, ninguém mais no
Brasil foi para a forca.
Os escravocratas, cientes da manobra, passaram a
reclamar publicamente, exigindo o cumprimento da lei. Os senadores diziam em
tom de ironia que dom Pedro II estava sendo “filantrópico”.
— Quem poupa a vida de um grande malfeitor
compromete a vida de muitos inocentes — afirmou o senador Ribeiro da Luz (MG)
numa sessão plenária em 1879. — Não é possível que, por causa da filantropia,
homens vivam inquietos pelos perigos que os cercam, sobressaltados de que a
foice ou a enxada do escravo venha tirar-lhes a vida.
Linchamentos
Na mesma sessão, os senadores lembraram um crime
coletivo ocorrido em Itu, em São Paulo, no começo do ano. Um escravo havia
assassinado seu senhor, um dos poucos médicos da cidade. Enfurecidas, centenas
de pessoas tentaram invadir a delegacia para linchar o criminoso, mas foram
contidas pela polícia. No dia seguinte, voltaram e conseguiram arrancar o
escravo da cela. O negro foi morto a pauladas pela população aos gritos de
“viva a justiça do povo!”
Para os senadores, linchamentos como aquele, que se
repetiam em outras cidades, eram um claro sinal de que a sociedade — vendo que
os cativos, livres da pena de morte, se sentiam encorajados a assassinar — não
tinha escolha senão fazer justiça com as próprias mãos.
O senador Silveira da Mota foi ainda mais longe e
disse que, já que a lei de 1835 havia sido esquecida, o melhor seria acabar de
vez com a escravidão:
— Nós sabemos que a escravidão é uma violência e uma
injustiça, mas as violências se mantêm senão com outras violências. Se quereis
fazer filantropia à custa da honra das famílias dos proprietários, então tomai
a responsabilidade da emancipação [dos escravos]. Não o queirais fazer
tortuosamente, com prejuízo de tantas vidas. Num país de escravidão, se o
governo quer harmonizar a lei criminal com os princípios filosóficos, então o
meio é outro, é acabar com a escravidão. Enquanto não acabar com ela, o meio é
a lei de 1835.
Ainda em 1879, o presidente do Conselho de Ministros
(cargo equivalente ao de primeiro- -ministro), Cansanção de Sinimbu, compareceu
ao Senado para defender o imperador. Ele argumentou que dom Pedro II concedia a
clemência não por bondade, mas por identificar falhas nos processos judiciais:
— Todos nós sabemos como têm lugar esses
assassinatos. Acontecem em lugares solitários, na ausência de pessoas que
possam testemunhar e, por conseguinte, na dificuldade de se constituírem provas
positivas para se fazer um juízo sobre a criminalidade do réu.
O primeiro-ministro não contou toda a história.
Quando o processo era perfeito, sem deixar dúvida de que o escravo matou seu
senhor, o imperador simplesmente engavetava o pedido de clemência. Assim, em
vez de ir para a forca, o negro continuava na prisão indefinidamente, à espera
de uma palavra final do monarca que jamais viria.
A lei da pena de morte dos escravos deixou de fazer
sentido em 1888, com a abolição da escravidão. Ela só foi oficialmente revogada
em 1890, logo depois da Proclamação da República.
A seção Arquivo S, resultado de uma parceria entre o
Jornal do Senado e o Arquivo do Senado, é publicada na primeira segunda-feira
do mês.
Fonte:
Agência Senado
Fontes:
Jornal Correio do Povo
Datas Rio-Grandenses, de Coruja Filho (Sebastião Leão).
http://www2.portoalegre.rs.gov.br/vivaocentro/default.php?reg=14&p_secao=118
Guia Histórico de Porto Alegre, Sérgio da Costa Franco, 4. ed. – Porto
Alegre, Ed da RFRGS, 2006, pg. 180 e 181
Artigo de Landro Oviedo, publicado no jornal Correio do Povo, de 03 de
novembro de 2005, página 4.
Foto: Praça da Harmonia em 1894. Acervo Museu da UFRGS
Consulta: Litera
Fonte: Terra, Eloy. As Ruas de Porto Alegre. AGE. 2001
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