Aterros
Sobre o guaíba
Mapa do centro de Porto Alegre feito pelo Eng.
Clóvis Silveira de Oliveira e editado em seu livro “Porto Alegre – A Cidade e
Sua Formação”- Ed.Norma –1985
- A linha vermelha representa a beira do rio no início do
povoamento (1752).
Em verde, está o atual alinhamento da Sete de Setembro e em
azul claro, a área atual que foi sucessivamente aterrada até o Cais do Porto.Ao
observar o mapa, podemos reparar que o chamado “Beco dos Marinheiros” ( trecho
à esquerda no mapa) e o trecho entre a Gal. Câmara e a Praça XV (Porto dos
Ferreiros) não teriam continuidade sem os aterros.
Porto Alegre
- Historicamente, os aterros como forma de acrescentar área
à cidade é utilizado no Brasil em diversos casos como nas cidades do Rio de
Janeiro, no Recife, em Salvador, citando apenas alguns exemplos.
Este procedimento trata-se, entretanto, de uma técnica muito
antiga, utilizada desde os tempos da Grécia Antiga e da Roma Imperial.
Em todos os casos o desafio que se impõe é “o domínio”
e a “domesticação
da natureza pela técnica e engenharia”. Se por um lado a cidade se
beneficia com os melhoramentos trazidos pela ampliação, saneamento e
embelezamento das áreas conquistadas pelos aterros, por outro lado continua ou
surge a ameaça de cheias do rio ou do mar, que tendem a retomar à sua margem
original.
Porto Alegre passou por muitos problemas semelhantes, como a
falta de área e condições sanitárias junto ao núcleo original, o qual acabou
sofrendo sucessivos aterros desde meados do século XIX, fazendo com que a
cidade aumentasse seus limites em relação às águas do Guaíba em três vezes sua área original. Esse fato, aliado à
evolução das configurações morfológicas, acabou por marcar uma transformação
paisagística gradual, mas constante, principalmente no século XX. Essa expansão
que a cidade sofreu, sobre tábua rasa, permitiu aos técnicos, por vezes, dar à
urbanização uma forma mais aproximada a um ideal ou modelo urbanístico, fato
este, muito arraigado na tradição arquitetônica.
É o caso das duas margens que contornam o centro da cidade,
de um lado, Avenida do Porto (Mauá)
ou da Avenida Júlio de Castilhos,
que não necessitaram demolições para suas aberturas, e do outro o Centro Administrativo, que também, não
precisou observar a tipologia do entorno imediato para sua implantação.
Entretanto essas ocorrências se deram em tempos diferentes.
- Primeiramente, na margem Norte, em função de sua localização, vinculada ao porto e junto ao
centro econômico da cidade.
- Posteriormente, na margem Sul em função da expansão da cidade.
O
Vento
O centro de Porto Alegre se caracteriza geograficamente por
uma ponta de terra que avança para o Guaíba, o lago que antes era chamado de
rio. Com o desenvolvimento da cidade, essa ponta passou a funcionar como um
funil, uma vez que a partir da área central os caminhos que levavam para fora
se abriam em leque.
Na sua origem a escolha da margem Norte para o primeiro
assentamento, tinha tido sua escolha em razão da questão ambiental, uma vez que
ficava em local com boas características portuárias, na encosta de uma crista
e, portanto, protegido dos ventos fortes e dominantes, que vinham do Sul.
Porto Alegre tem uma relação tão conturbada com o Guaíba que
avançou sobre ele e ainda construiu um muro para escondê-lo.
Os aterros que triplicaram o tamanho da área central,
produzindo melhorias, mas também efeitos adversos, a degradação do Centro.
A expansão do Centro de Porto Alegre ocorreu pela transformação
de água em concreto, aterros realizados junto às margens do Guaíba durante mais
de um século triplicaram a área da península e modificaram em tal grau o desenho
da cidade que ele não seria reconhecido hoje por um morador de 100 anos atrás.
O vento teve um papel decisivo na história dos aterros e
acabou por condicionar o atual contorno do Centro.
A força com que ele soprava do Sul estimulou a ocupação no
Norte, mais protegido, tornando obsoleto o nome da Rua da Praia ainda na metade do século XIX, quando uma área roubada
ao Guaíba deu origem a uma nova via ribeirinha, a Rua Nova da Praia, atual Sete de
Setembro.
Do lado Sul da península havia muito descampado, mas não
existia o interesse em crescer para lá por causa do vento.
Além disso, o porto era melhor na margem Norte.
Os
Pequenos Avanços
Ao longo do século XIX, os aterros realizados explicam a
atual Praça XV. Ali, então margem do
Guaíba, funcionou entre 1844 e 1870 o mercado da cidade. Quando ele ficou
pequeno, aterrou-se a área em frente para construir-se o atual Mercado Público. O prédio antigo foi
demolido e abriu um vazio que se transformou em espaço público de lazer.
No início os avanços sobre o rio Guaíba e rio Jacareí (Arroio
Dilúvio) se resumiam a pequenos ganhos de terra para melhor aproveitamento dos
terrenos de particulares.
Até o final do século XIX, Porto Alegre teve claramente uma
frente definida para o rio.
No século XIX, a primeira
grande mudança no centro da capital foi o aterro que criou a Rua Nova da Praia, futura Rua Sete de
Setembro.
Numa planta de 1839, de L. P. Dias, em Porto Alegre, o
trecho entre as praças da Alfândega
e Harmonia não é mais do que uma
irregular costa de rio nos fundos das casas da Rua da Praia.
Um pouco antes do fim da Revolução Farroupilha, porém, já se começa a falar na Rua Nova da Praia (atual Sete de
Setembro), que margeava o lago, justificando o seu nome.
Em 1842, o Guaíba sofre o
primeiro aterro, para a construção da doca do primeiro mercado público da
cidade, inaugurado em 1844.
Em 1846, o primeiro passo foi
criar rampas de acesso para embarcações na embocadura das ruas Clara (João Manoel) e do Ouvidor (General Câmara).
Da metade da década de 1840 à de
1860, foram quase 15 anos
de obras e aterros, desde a Praça da
Harmonia até o Largo do Mercado,
para a criação da Rua Nova da Praia.
Estava deflagrada uma tradição nunca mais interrompida:
“Aterrar as águas do Guaíba para expandir a
área urbana”.
A faixa de terra disponível junto ao porto, delineada pela Rua da Praia, era estreita, mas até
então suficiente. Depois da Revolução
Farroupilha, o panorama mudou. As companhias de comércio e de navegação se
concentraram nos terrenos próximos a Praça
da Alfândega, valorizando as propriedades e estimulando as construções. A
solução foi avançar a linha de terra e criar uma nova rua, que ligasse a Praça da Harmonia na Ponta do Arsenal, a Praça da Alfândega e o Beco do Leite (Uruguai) e Largo Paraíso (Praça XV).
Seguindo a descrição do cronista Caldre Fião:
“Casas elegantes, construídas sobre as águas da praia, iam
formando já a rua nova. Assoberbada pelo lucro do comércio na cidade”.
Em 1854, a terra
começaria mesmo a avançar sobre as águas. As obras começaram roubando um pedaço
do rio junto ao prédio da Alfândega,
onde ficava o atracadouro principal.
Conforme Saint
–Hilaire, sobre o atracadouro:
“...quase na metade da Rua da Praia, existia
um grande cais dirigido para o lago, uma espécie de ponte de madeira com
parapeito mondada sobre pilares de alvenaria, com 100 paços de comprimento, em
cuja a extremidade havia um armazém. A vista desse cais seria de lindo efeito
se não houvesse sido prejudicado pela construção de um edifício pesado e feio,
à entrada da ponte, de 40 passos de comprimento, destinado à alfândega”.
A Praça d’Alfândega
foi o primeiro espaço urbano a ter uma intervenção plástica definida.
Durante quatro anos, a praça foi redesenhada, passando a
fazer frente para o cais de pedra, com duas escadarias, assentos e parapeitos.
Em 1855, foram
necessárias desapropriações para que a Rua
Nova chegasse ao Largo Paraízo
junto ao Mercado.
Em 1858, o trecho de
aterro da Praça da Alfândega até a
atual João Manoel foi feito.
Em 1861, o trecho que vai
dali até a o Arsenal ficou pronto,
graças tanto ao governo quanto aos proprietários, que contribuíram com aterros
e paredões.
Em 1862, com o
desenvolvimento da cidade e de suas funções portuárias e econômicas, vamos
encontrar na próxima planta, uma nova da margem construída por aterro que
passou a se denominar Rua Nova da Praia
(atual Rua Sete de Setembro), e os atracamentos das embarcações que se faziam,
ainda, por trapiches e rampas.
Esse
Aterro
apesar de ter sido pensado na sua totalidade, constituindo-se na ligação, em
“linha reta”,
da
Ponta do Arsenal ao
Caminho Novo, foi sugerido que se fosse
feito de forma particular pelos proprietários.
A Câmara Municipal
como solução para formação dos novos atracamentos distribuía “todos os terrenos
à margem pelas pessoas que quiserem e estiverem nas circunstâncias de os
aterrar e construir o cais de sua testada no prazo infalível de um ano, debaixo
da pena de comissão, devendo ficar uma rua à 80 ou mais palmos entre os cais e
os edifícios” de confinantes ao
porto a construírem as rampas, os trapiches ou os armazéns.
Desta forma a distribuição dos novos terrenos da margem era
feita pelas pessoas que quisessem ou que pudessem, o que não poderia gerar
nenhuma expectativa de que essa margem viesse a se tornar uniforme e contínua.
Além desse aterro, foi feito também, um outro junto da
antiga Praça dos Ferreiros ou do Paraízo (atual Praça XV de Novembro),
que teve uma grande área de acréscimo para se localizar o Novo Mercado.
Esse desenvolvimento se justificou em função do fim da Guerra Farroupilha (1835-1845), da
intensificação do comércio, da movimentação do porto e da “derrubada das muralhas” que
cercavam a cidade que começa a permitir um entrosamento maior entre a cidade e
sua região.
“De 1858, até o final do século, Porto Alegre teve claramente uma frente
definida para o rio Guaíba. A Praça d’Alfândega foi o primeiro espaço.”
Junto a estes primeiros aterros começou a se preocupar com
embelezamento da Praça da Harmonia,
sobretudo com arborização, até então desprezada, o trabalho na Praça da Harmonia foi árduo, feita por
presidiários da cidade. Além de vasos de mármore trazidos do Rio de Janeiro,
havia uma bomba manual que puxava água do Guaíba, nos anos 1860 funcionou um
chafariz abastecido por canos, ganhou nome novo com o fim da forca, também
chamada de “Praça
dos Namorados”.
O presidente da Província Ângelo Ferraz, dizia:
“Que aquele lugar era o ponto mais destacado para a visão
dos que entravam no porto, e o que mais penúria exibia”.
Em 1865, mesmo ano em que
a
Rua da Praia se tornou
Rua dos Andradas, a via construída
sobre o rio a
Rua Nova ganhou o nome
de
Rua Sete de Setembro, ambas em
homenagem a
Independência do Brasil.
Rua Sete de Setembro
Em 1888, é feito o
segundo grande aterro, entre a Rua João
Manoel e o Caminho Novo e junto
a Ponta da Cadeia.
Na planta de 1888, as
margens se deslocavam em forma de projeto. Aqui as perspectivas de uma cidade
imaginária começavam a tomar corpo com a possibilidade de se criar uma avenida
que se prolongasse por toda margem Norte.
A área do mercado já não parecia um corpo avançado como na
anterior, tudo começava a ficar alinhado. Além disso, a cidade já contava com
arraias plenamente consolidados, prontos para em pouco tempo assumirem o status
de bairros.
No Centro, a questão dos arruamentos e das construções na
nova área ainda não estavam definidos.
Ao Sul da península, o Guaíba sempre foi raso, e o tempo se
encarregou de assoreá-lo cada vez mais, sugerindo a idéia dos aterros na Zona
Sul.
Em 1893, uma firma
holandesa apresentou ao governo estadual o primeiro projeto de urbanização da Praia de Belas, e por vários anos
outros projetos com a mesma finalidade chegaram a administração municipal.
No
início do século XX, vieram os novos aterros e os armazéns do cais do
porto.
Em 1900, antes do aterro
final e padronização da orla para a construção do novo cais do porto, havia
mais de
30 trapiches na área do
Centro, projetando-se sobre o Guaíba e dezenas de outro trapiches junto ao
Caminho Novo e
Praia de Belas.
Esse caos era inaceitável para os republicanos positivistas,
para os quais a cidade – sala de visitas do estado – devia ter um belo
portal de entrada.
“É preciso melhorar o porto tanto do ponto de vista
econômico como estético, sobretudo higiênico”.
A segunda cidade industrial do país
Em 1907, Porto Alegre
disputava com São Paulo o título de segunda cidade brasileira com maior
produção industrial, atrás do Rio de Janeiro.
Alargar a superfície serviu para modernizar o porto da
capital.
Enquanto a capital paulista detinha 15% da produção
nacional, a gaúcha tinha 14%. Um cais condizente com a condição de pólo
exportador era necessário no Guaíba. Somavam-se a isso a decisão federal de
modernizar os portos, vistos como propagadores de doenças, e o interesse da
administração do Estado de tornar Porto Alegre um cartão de visitas.
Aterros
na margem Norte
No princípio, as intervenções urbanas se concentravam na
área mais central da cidade, especialmente junto à margem Norte, em um processo
que se iniciou de forma difusa em meados do século XIX.
Nesta ocasião, este aterro estava ligado também à
preocupação com o saneamento e a reestruturação urbana, buscando, através de
amplas reformas e extensões do tecido urbano, eliminar áreas insalubres como
becos, cortiços, ruas estreitas e sem rede de esgoto ou abastecimento de água,
áreas ribeirinhas e malocas.
O
Positivismo Inspirador
A jovem república trouxe ao poder do estado um governo
fortemente centralizador, de nítida inspiração na “doutrina positivista” de Augusto Comte. Sua primeira e mais
singular figura foi Júlio de Castilhos,
que escreveu a constituição republicana do Estado, e foi primeiro governador,
acompanhado por Borges de Medeiros,
fiel seguidor de suas idéias, que permaneceu no governo por mais de 30 anos.
Porto
Alegre Cresce
Com este grupo, o cenário político rio-grandense sofre uma
grande virada, deslocando pela primeira vez o foco dos interesses do campo para
a cidade. A questão urbana estava na ordem do dia.
Este governo era formado pela parte dissidente da oligarquia
rural que aos poucos se desvinculava do campo para formar vínculos com a cidade
e por industriais, pequenos e médios comerciantes, funcionários públicos, além
dos pequenos proprietários rurais das colônias alemã e italiana. Dentre a sua
pauta política, havia a questão dos transportes, traduzida na interligação de
todo estado por uma malha rodo-hidro-ferroviária. Isso implicava, entre outras
coisas, na reformulação do porto e na construção de um novo terminal
ferroviário na cidade.
Tais obras vieram junto com uma política de modernização dos
portos brasileiros, do governo federal, integrado a um projeto de reformulação
da cidade como um todo. Momento esse, que permitiu que engenheiros e demais técnicos
da secretaria de obras tivessem um papel muito importante dentro do projeto
político positivista do governo republicano de Borges de Medeiros.
Um dos grandes objetivos era a transformação da capital em
uma cidade que estivesse em consonância com o que ocorria no exterior,
tornando-a, através das obras viárias, de saneamento e embelezamento, na ‘sala de visitas
do estado’. Nesse contexto surgiu pela primeira vez, a necessidade
de se elaborar um “plano urbanístico” que ordenasse as ações e definisse as
diretrizes do crescimento da cidade.
O
Legado
O governo autoritário que buscava reafirmar sua identidade
procurou deixar sua marca na cidade através de um urbanismo, com forte apelo
formal e pretendendo, ao mesmo tempo, buscar referências com as nações mais
evoluídas, das quais emprestava o modelo.
Plano
Maciel
Em 1909, José Montaury de
Aguiar Leitão, intendente (Prefeito)
caracterizou-se por uma visão de futuro e muitas das transformações
fundamentais de Porto Alegre foram por ele conduzidas. Talvez a mais significativa
tenha sido a implantação do serviço de primeiros-socorros já em seu primeiro
mandato. Porto Alegre foi a primeira cidade do Brasil a implantar tal serviço.
A primeira rede de esgotos da capital também foi construída em seu governo
(como resultado, a mortalidade infantil caiu de 32,2% para 17,9%).
Foi em seu governo que serviços
públicos como: - iluminação e transporte ganharam seu primeiro grande impulso.
Pavimentação, construção da vias largas e arborização também foram medidas
tomadas pelo prefeito, que encomendou um “projeto de melhoramentos” da cidade ao engenheiro-arquiteto João Moreira Maciel, que refletia os preceitos fundamentais
do urbanismo haussmanniano: -
sanear, circular e embelezar. O plano que era abrangente, englobava bairros
além da área central. Envolvia a margem Norte, cobrindo o projeto de
modernização do porto, que já vinha sendo realizado pela Secretaria de Obras do Estado, propondo o tratamento de seu
entorno, local onde deveriam ser implantados novos equipamentos e serviços, além
de diversas obras de melhoramentos e embelezamento.
Se o Plano de
Melhoramentos parece distante daquele feito por Haussmann em Paris, ou mesmo pelo de Pereira Passos no Rio de Janeiro, não podemos esquecer que o mais
importante para o estudo em questão, não é propriamente o resultado, nem a
concretude do que foi executado, mas a identificação do paradigma que serviu de
base ao Plano de Maciel. As
diferenças de contexto como limitações orçamentárias, padrão cultural e
econômico muito diverso, e implicaram uma adaptação considerável do tipo de
intervenção, como bem coloca Maciel:
“Melhorar, Conservando”, tal foi o critério que adaptamos no estudo do
projeto que nos vae occupar. Não é possível pretender actualmente a abertura de
avenidas largas na parte central da cidade, como seria nosso desejo, pois isso
importaria em despesas muito pouco compatíveis com os recursos actuaes da
Municipalidade; e mesmo por que o futuro da cidade terá muito para onde se
estender e a attenção da Intendência deverá voltar-se para a parte suburbana, e
a não compreendida no actual plano, para evitar o
que agora se pretende fazer com grandes
sacrifícios.
Problema
do Brasil: - A Demora
O referido plano não teve uma implantação tão rápida quanto
se desejava. A principal Avenida, a Borges
de Medeiros, que unia margem norte à margem sul, assim como a Avenida Júlio de Castilhos paralela a
margem, só teriam início 10 anos
mais tarde.
Outras obras só foram realizadas na administração de Loureiro da Silva (1940) e outras
ainda, somente na administração Tompson
Flores (1970).
O projeto da Praça
d’Alfândega, posto que, esta era o principal acesso da cidade para quem
chegava, de longe, por barco, era prioritário havia tempo.
Antes mesmo do projeto do porto, aquele logradouro fazia
parte da margem Norte, que não passava de um litoral mal definido, com inúmeros
avanços e trapiches particulares. Tratavam-se de empresas que faziam o serviço
de transporte de mercadorias e passageiros entre o interior e a capital e entre
esta e o restante do país e exterior. Segundo relatos da época, as condições de
salubridade destes locais estavam muito aquém do desejado.
“A construção de um cáes no littoral do porto é uma antiga e
legitima aspiração dos seus habitantes. Já tive a occasião de demonstrar em
meus relatórios anteriores as suas vantagens commerciais, hygienicas e
estheticas.”(relatório Porto, p.
45)
No centro daquela praça também se encontrava, como deixa
claro seu nome, a Alfândega, que
estava precariamente instalada em um prédio bastante singelo do início do
século XIX.
O Grande Projeto
O Projeto Maciel mostra a intenção de conectar a Praça d’Alfândega à Praça da
Matriz, no alto da cidade, onde estão o Palácio Piratini, a Câmara
e a Catedral Metropolitana. Daí se
explica o gabarito da Avenida Sepúlveda
com canteiro central marcado por palmeiras - ela deveria fazer tal conexão.
Nesse contexto foi pensada a nova Praça da Alfândega, um local fortemente representativo, com
imponentes prédios públicos à sua volta. Ali foram instalados a nova Alfândega, a Delegacia Fiscal (atual Margs), os Correios e Telégrafos (atual Memorial do Rio Grande do Sul) e a Fazenda.
A praça, ampliada pelos aterros, foi ajardinada ao estilo
das praças francesas, tendo um eixo central formado aquele da Avenida
Sepúlveda. Esta conecta a praça ao portão do cais, uma estrutura de ferro e
vidro trazida da França, a qual marca o local de embarque e desembarque dos
passageiros.
“...a avenida em questão além de vir a
concorrer para o embellezamento da capital, estabelece uma communicação muito
conveniente entre a parte baixa e a parte alta da cidade, e sua importância
será ainda maior (...) si o Governo do Estado conseguir (...) construir o
trecho de cáes com escadarias, para movimento de passageiros no porto.”
A reformulação da Praça
da Alfândega passou a fazer parte dos esforços do governo no sentido de
embelezar a cidade e transformá-la no hall de entrada da sala de visitas do
estado, a que deveria se tornar Porto Alegre, segundo os políticos da época.
Até aquele momento, não havia na cidade local adequado para
a recepção de seus visitantes.
“Não há em Porto Alegre um local
disposto convenientemente para este fim, podendo-se notar que o embarque e
desembarque de pessoas de elevada posição social que a visitam, como dos
viajantes em geral, faz-se pelo interior de trapiches cujo fim exclusivo é a
manutenção de mercadorias.”
Início das Obras
Em 1911, as obras
começaram como seqüência natural de obras que o governo do Estado fazia na
barra de Rio Grande e no sistema de navegação da Lagoa dos Patos.
Em 1913,
o primeiro trecho de cais, de 140 metros,
junto ao portão geral, ficou pronto.
Implantação do Plano Maciel
Em 1914, em nome do “higienismo e do embelezamento” o urbanismo deixou suas marcas nessa margem. A zona do
porto foi iniciada ainda na administração do intendente José Montaury, sendo difícil precisar a data de abertura de algumas
de suas ruas, já que o processo de re-urbanização se dava em escala nunca antes
vista. As novas ruas foram implantadas paralelas à Rua da Praia (Andradas) e as já existentes tiveram seus
alinhamentos redefinidos, assim como as transversais que foram prolongadas e
alargadas até a nova margem, definida pela Avenida
Marginal (do Porto ou Mauá).
Estas avenidas foram pensadas em
conjunto, com uma tipologia de edificações formada por edifícios de 5
andares e construídos no alinhamento, observando sempre a proporção entre a
altura destes e a largura da via para uma boa ventilação e iluminação. Tal
modelo servia tanto para ruas menores como para as largas avenidas, com
canteiros centrais definidores de eixos, sendo conhecido como rua corredor.
A linguagem arquitetônica, do
início do século, era o ecletismo, estilo esse adotado por inúmeros prédios, os
quais muitos deles permaneceram como remanescentes pela cidade. Ao contrario do
que possa parecer, a questão da estética ou da forma arquitetônica, não era
algo de menor importância dentro do plano, mas um tópico que mereceu destaque
do seu autor, posto que este clamava por criatividade, buscando sair do marasmo
da mediocridade.
“As duas avenidas em questão, (referindo-se à
avenida do Porto e Júlio de Castilhos), além de constituírem o centro
commercial do futuro, seriam o ponto chic do smartismo porto-alegrense, e
portanto necessário se faz que a Intendência formule lei especial para só permittir
que se levantem edifícios de certa natureza, certa altura, e obedecendo certas
linhas architectonicas, para desta forma constituírem desde logo uma norma para
que outros edifícios congêneres modificassem a actual construcção da capital,
que deixa muito a desejar, sobre tudo pelo lado esthetico.” (Maciel, 1914).
O Plano de
Melhoramentos municipal projeta o novo cais e prevê o avanço em direção ao
Guaíba por mais dois embelezados e modernos quarteirões, cortados por largas
avenidas: - Siqueira Campos, Júlio de Castilhos, Mauá.
- No Plano Maciel, já era prevista o aterro junto a Praia de Belas e a construção da Avenida Beira Rio.
As diferentes paisagens urbanas que uma cidade apresenta não
são frutos do acaso, como pode parecer à primeira vista, mas é o resultado de
uma série de políticas do poder público para modelar e regular a cidade.
Dessa maneira, ao caminhar pelo centro de Porto Alegre, o
observador pode perceber suas ruas estreitas e edificações dos mais variados
períodos; construídas no alinhamento; a zona portuária da margem Norte, com
avenidas largas e retilíneas, apresentando diversos prédios imponentes.
Em 1916, foi feito
aterros no novo porto e junto a foz do Arroio
Dilúvio, que aproveitava o próprio assoreamento.
Em 1919, foram retomadas
as obras do porto.
Em 1921, outros 490 metros foram completados, com
aterros entre o portão geral do porto e a Rua
Marechal Floriano.
Junto a estes aterros foram abertas novas avenidas como a Júlio de Castilhos e Mauá, Siqueira Campos e várias transversais.
Em 1921, o cais do Porto Mauá é inaugurado.
- Apesar dos efeitos adversos, os aterros permitiram a
modernização do porto, concederam espaços para a expansão da área central e
facilitaram o acesso à região.
Vinte anos mais tarde, o
intendente Otávio Rocha, que
administrou Porto Alegre de 1924 à 1928, ainda insistia na questão, dizendo:
“É preciso modificar o nosso código de
construções para evitar as edificações em desacordo com o progredir da cidade
(...) Em certas ruas é preciso estabelecer-se tipos de construção que venham
embelezar a nossa urbs e atestar a capacidade dos nossos construtores, evitando
monstruosidades arquitetônicas.”
Entre 1924 e 1943, a
abertura da Avenida Borges de Medeiros,
ligara ao Centro aquele ponto de tímido desenvolvimento e criara as condições
para seu aproveitamento e para a integração da Zona Sul à cidade.
Em 1927, foi feito os
aterros complementares para a solidificação do porto de pedra junto ao Centro.
Em 1928, o presidente do
Estado Borges de Medeiros se
orgulharia de deixar pronto 1.652 metros
de cais, com dez armazéns e 22
guindastes elétricos.
A Entrada Monumental da Cidade
Ao descer do navio, o visitante ultrapassava o pórtico, e
caminhava junto a Avenida Sepúlveda
em direção a Praça Senador Florêncio,
passando pelos grandes prédios, Alfândega,
Secretária da Fazenda (em primeira
fase), Delegacia Fiscal, Correios, o entorno da praça, seguindo
se visitante ao Grande Hotel, na
esquina da Rua da Praia com Rua Calda Junior.
O novo porto, além de melhorar o escoamento da produção
industrial crescente, enfim podia ser considerada a porta de entrada da cidade
que estava sendo construída a imagem da elite.
Nesta época com os novos espaços aterrados, havia só na
península, triplicado a área do Centro.
Estudo
da Urbanização de Porto Alegre
Em 1938, a proposta de
uma zona residencial em terreno criado sobre o Guaíba foi apresentada por Edvaldo Pereira Paiva e Ubatuba de Faria.
A Praia de Belas
era uma região estagnada.
O engenheiro Edvaldo Pereira Paiva, juntamente com
seu colega Luiz Arthur Ubatuba de Faria,
à frente da Secretaria de Obras do
município, elaboram um trabalho que se intitulou Contribuição ao Estudo da Urbanização de Porto Alegre. Aqui aparece
pela primeira vez uma proposta de conjunto para a criação de um bairro
residencial sobre um extenso aterro na enseada da Praia de Belas.
O modelo urbanístico adotado apresentava forte influência do
plano do Rio de Janeiro de 1930, sob coordenação do urbanista francês Alfred Agache. O sistema de avenidas
definidoras de eixos e articulados por rótulas que serviam como pontos focais,
ruas bem configuradas por quarteirões fechados e compactos, eram
características do urbanismo formalista da escola francesa então em voga.
À semelhança do plano do Rio de Janeiro, este apresentava um
imponente conjunto de espaços abertos e prédios naquilo que seria a Entrada da Cidade, na Ponta do Gasômetro, numa correspondência direta com a Porta do Brasil do Plano de Agache.
Outro elemento semelhante era o Parque da Confluência, largo localizado na foz do Arroio Dilúvio canalizado, para onde
também convergiriam uma série de avenidas à maneira da Place Etoile, de Paris e ainda do projeto do Rio de Janeiro.
Os quarteirões desenhados no aterro da Praia de Belas apresentavam espaços verdes em seu interior, tendo o
sistema viário uma hierarquia característica dos planos modernos.
Junto ao Guaíba foi projetada uma avenida marginal de grande
gabarito, elemento este já previsto no Plano
de 1914 e que permanecerá em todas as propostas futuras. As perspectivas
que este estudo traz mostram uma grande preocupação com a imagem urbana. Assim
aparecem grandes avenidas em perspectiva convergindo para largos ladeados por
prédios “art
deco” muito característicos daquele período e monumentos marcando os
pontos focais da perspectiva, constituíam-se nas radiais. Defendendo o sistema
dos perímetros de irradiação, esse estudo mostra uma nítida influência das
propostas de Prestes Maia para
S.Paulo.
Por outro lado, no discurso que Edvaldo Pereira Paiva faz para justificar os objetivos do projeto,
ele se apóia nos conceitos de embelezamento e salubridade, da mesma maneira que
seus antecessores. Para ele, o atraso em que se encontrava a Praia de Belas era resultante das más
condições higiênicas, isolamento das grandes vias de tráfego e seu completo
abandono.
Na apresentação do plano ele expõe a idéia do novo bairro
residencial:
“Um dos projetos de extensão previstos por nós
para Porto Alegre Maior do futuro, é o da construção dum novo bairro residencial
na Praia de Bélas com conseqüente saneamento e embelezamento dêsse litoral.”
Uma questão a ser colocada é o porque deste bairro ser
construído sobre uma área aterrada, e não numa extensão urbana qualquer, já que
a cidade possuía muitas áreas livres ou pouco densificadas para seu
crescimento. Há de se levar em conta as dificuldades técnicas e o alto custo
financeiro de tal empreitada. Edvaldo
Pereira Paiva mostrava estar atento a esta problemática e fazia ele mesmo
tal questionamento:
Quais seriam as vantagens que nos levaram a
pensar na construção dum bairro residencial no local citado, apesar do grande
aterro necessário, e quando a cidade tem tantas zonas quasi despovoadas?
Sua proximidade com o Centro seria um aspecto altamente
positivo, possível a partir de então pela importante ligação com a margem Norte,
através da abertura da Avenida Borges de
Medeiros.
Plano
Diretor de Gladosch
No ano de 1939, o então
prefeito Loureiro da Silva contratou
o arquiteto Arnaldo Gladosch, que havia trabalhado com Agache no Rio, para elaboração de um Plano Diretor para a cidade. Este
aproveitou os estudos realizados anteriormente pelos dois urbanistas locais: - Edvaldo Pereira Paiva e Ubatuba de Farias. Na apresentação do Anteprojeto do Plano Diretor ao
Conselho, enumerando as radiais que compunham o sistema viário radial
principal, destacou a avenida da margem (sobre o aterro) como fundamental:
“Chegamos finalmente à última das grandes vias radiais: a
Avenida Beira Rio. Esta artéria principal, além de desempenhar no futuro uma
ação fundamental para todo o tráfego da zona sul da cidade, virá conduzir o
povo de Porto Alegre aos jardins que margearão o Guaíba.”
Sua pretensão era transformar a margem em uma orla
ajardinada. Ele inclusive expõe uma justificativa sobre o assunto, dizendo que
a situação de uma cidade como Porto Alegre à margem de um rio conduz
naturalmente à pressuposição de uma orla ribeirinha com exuberante vegetação.
Continua dizendo que a cidade não tirava vantagem alguma de
sua situação favorável à margem do Guaíba e que seus habitantes não o usufruíam
apenas por falta absoluta de avenidas marginais arborizadas ou jardins públicos
atraentes e convidativos.
O
Riacho
Este projeto das margens não poderia se desvincular de um
outro na mesma região que era a canalização do Riacho (Arroio Dilúvio). No seu leito inicial, a sua desembocadura
se dava na praia do Riacho, junto à Rua Pantaleão Teles (atual Avenida
Washington Luís), passando pela Ponte de
Pedra que se integrava ao arruamento da cidade através da Rua Cel. Genuíno.
O riacho correndo próximo e em direção ao Guaíba, deixava
para as margens um problema muito sério de alagamentos e insalubridade. Daí a
grande preocupação de se adequar e qualificar este local. Para Arnaldo Gladosch, este era o problema número um da cidade.
O
Problema nº 1
O grande problema, o nº 1
de Porto Alegre, é o aproveitamento, para urbanização, das grandes áreas
marginais do Riacho. “Áreas estas atualmente insalubres,
sujeitas à inundações pela enchentes do rio e que, portanto, representam um
sério entrave à desejável continuidade do desenvolvimento da zona urbana da
cidade. (...)”
Por este motivo que, uma vez assentado o anteprojeto do Plano Diretor em suas linhas gerais,
iniciamos os estudos mais detalhados deste plano de saneamento e urbanização da
Praia de Belas e canalização do Riacho, da Ponte da Azenha ao Guaíba.
Tratava-se de uma área de 140
ha com baixíssima taxa ocupação (40
hab/ha) e que ficava apenas a dois quilômetros, distante do Centro. Depois de
saneada, Arnaldo Gladosch estimava que poderiam ser
construídas moradias para 300
hab/ha, ou seja, para uma população de cerca de 42.000 pessoas.
“Além disso, seria construída uma antiga
aspiração do povo porto-alegrense: a construção da Avenida Beira Rio, com seus
jardins marginando o Guaíba, e dando ao mesmo tempo aos inúmeros moradores das
zonas de Cristal, Tristeza, etc., um acesso direto à cidade”.
Continua defendendo o aterro da área:
Trata-se de uma obra de grande vulto, mas
facilmente exeqüível, uma vez que, como demonstra o nosso projeto, se conquiste
ao rio Guaíba uma superfície de terreno destinada futuramente a construções,
cujo valor compense as despesas para a realização das necessárias obras de
saneamento.(...)
Permuta
das Areas
Apesar de afirmar que a primeira vista parece não ser lógico
conquistar terreno ao rio, uma vez que existe uma vasta área a ser aproveitada
fora daí, ele insiste que esses terrenos representam a principal base para
execução desta grande obra, por que sem eles seria impossível um trabalho
completo. Arnaldo Gladosch introduz a idéia de permuta
das áreas a serem saneadas, pelas novas conquistadas mediante aterros, evitando
assim o alto custo das desapropriações.
“Desta forma obteríamos uma desocupação
gradativa das áreas necessárias sem uma inútil desapropriação de benfeitorias,
de valor muito duvidoso e difícil de ser fixado.”
Diques
Elevados
Arnaldo Gladosch pensou também em criar um
sistema de proteção contra enchentes através da elevação das vias principais,
resultando num sistema de diques, sistema este mais tarde adotado.
“Não sendo economicamente realizável um
aterro geral dessas partes, projetamos elevar uma faixa das margens, tanto do
Guaiba quanto do canal do Riacho, a um nível superior as águas máximas,
formando dessa forma uma barragem contínua contra as inundações.”
O traçado do arruamento geraria quadras de 60 a 70
metros de largura por 200 a 250 metros de comprimento, “sempre que
possível” e lotes de, no mínimo, 12m
de frente, por 30 a 35 metros, no máximo, de fundos.
Na década de 1940, a
margem Sul começa a ser ampliada. Os primeiros estudos de planos para a cidade
já traziam propostas para a Praia de
Belas como o Plano Maciel de
1914.
A
Enchente
Em 1941, as centenas de
hectares aterrados também deixaram um legado sombrio: - favoreceram a
traumática enchente 41.
A região central era originalmente um morro estreito que se
projetava para dentro do Guaíba, tendo como cume a atual Rua Duque de Caxias. As margens iam até a Rua da Praia, na face norte, e a Rua Washington Luís, no lado sul. A demanda por novos espaços
originada do crescimento da cidade e a necessidade de qualificar o porto
desencadearam a realização dos aterros - primeiro promovidos por particulares
interessados em valorizar seus terrenos, mais tarde planejados pelo poder
público.
Com as vantagens, eles trouxeram conseqüências negativas,
que ainda reverberam no cotidiano de cada morador da cidade. Por ter sido feita
na mesma cota da margem, a imensa área plana entre a Rua Sete de Setembro e o Guaíba tornou-se vulnerável a inundações.
Os porto-alegrenses não demoraram a perceber isso.
- Na célebre enchente de 1941, a região aterrada ficou
submersa.
Retificação do Dilúvio
Em 1942, com o início da
retificação do
Rio Jacareí (Arroio
Dilúvio), que deslocou sua foz, possibilitou a expansão da margem do Guaíba a
partir da
Rua Washington Luis.
Nota:
- A canalização do Arroio
Dilúvio e construção da Avenida
Ipiranga. Uma das maiores obras da América Latina na época e a maior
intervenção urbana da cidade até então.
Plano 43
Em 1943, as idéias de
Arnaldo Gladosch e
Edvaldo Pereira
Paiva sobre a
Praia de Belas,
incluídas no
Plano 1943, acabaram
não sendo executadas naquela gestão, deixando para futuras administrações essa
empreitada, tendo apenas dado início à canalização do
Riacho. Esses estudos, ainda muito presos ao saneamento e à
higiene, demonstraram uma capacidade de análise muito mais ampla e profunda da
problemática urbana, do que os primeiros estudos para a margem Norte.
A Volta de Paiva
Nos anos 1950, Edvaldo Pereira Paiva volta à cena e
coordena o desenvolvimento de outro plano para a cidade. Seu pensamento
acompanhou a evolução da ciência urbanística, sendo ele integrante do grupo de
técnicos mais vanguardistas de sua geração.
Isso se torna bem perceptível pela análise da evolução de
seus projetos para a Praia de Belas.
Plano 59
No ano e 1951, nos
estudos para a urbanização da Praia de
Belas, de autoria de Edvaldo P. Paiva
e Carlos Maximiliano Fayet e
publicados pela revista Habitat, foram lançadas as diretrizes adotadas pelo Plano de 1959 para aquela área.
Nele podemos ver que a zona mencionada seria destinada
exclusivamente para as funções residencial e turística. Nas áreas aterradas, o
sistema viário não seria tratado como um prolongamento do que aqueles
urbanistas chamavam de traçado obsoleto da cidade, “mas com uma nova concepção orgânica de
traçado, baseada na criação de unidades vicinais, de tamanho adequado, de caráter
residencial, não atravessadas por vias de tráfego.”
Além das habitações propriamente ditas, haveria a disposição
de equipamentos de serviços comuns em pontos de fácil acesso dentro do bairro.
Haveria um zoneamento de utilização dos imóveis, da altura e do volume das
edificações, conforme a posição dos terrenos, seu tamanho e valor.
As grandes avenidas receberiam os edifícios de maior altura,
com estacionamentos próprios, ligados às escolas e centros locais, criando uma
zona de alta densidade. Já o interior das unidades teria baixa densidade,
trânsito estritamente local e muito verde. A circulação dos pedestres se daria
por vias próprias, separadas das de veículos, compondo um sistema viário
completamente diferenciado.
Chama atenção a proposta de uma unidade diferente das
demais, localizada no centro do projeto, próximo ao núcleo da cidade, composta
por um conjunto de grandes edifícios residenciais de 20 pavimentos dispostos no interior de um parque de 22 ha de uso público. Esta é a unidade
do projeto que mantém a maior vinculação com o urbanismo modernista, pela
implantação dos prédios em terrenos de uso público e sem subdivisões em lotes e
pela grande escala adotada.
Um conjunto de parques lineares entre a Avenida Beira Rio e a nova linha do litoral receberiam os
principais equipamentos de lazer e esportes, divididos em dois grandes
conjuntos.
- O primeiro estaria concentrado em torno da baía artificial
criada acima da desembocadura do arroio Dilúvio e contaria com um estádio para
100 mil espectadores acompanhado de grande ginásio coberto, iate clube e
cassino.
- O segundo, ao longo da Avenida Beira Rio, seria formado
por três grupos de balneários em dois níveis (o nível da avenida, com bares e
restaurantes e nível da praia, com os vestiários).
No entanto, as idéias mais ousadas inicialmente concebidas
acabaram por serem modificadas ou adaptadas ao contexto da cidade e muitas
delas parecem ter sido simplesmente descartadas.
Por fim, o projeto foi implementado de maneira parcial e com
muitas alterações de modo que os conceitos inicialmente pensados acabaram por
serem perdidos.
A atual paisagem da Praia
de Belas resulta da aplicação parcial do projeto contido no Plano de 59. No local pode se ver
apenas um conjunto de edifícios de 3
pavimentos com um sistema viário local, diferenciado e segregado do restante da
malha urbana, constituindo massas edificadas bem uniformes. Esse conjunto
corresponde às edificações de pequeno porte pensadas para as áreas interiores
das unidades, que, junto com o Parque
Marinha do Brasil e a Avenida Beira
Rio são os únicos elementos do Plano
da Praia de Belas, verdadeiramente implantados, parcialmente.
Os demais equipamentos como escolas, comércio, áreas de
lazer e esportes, além dos prédios altos ao longo das avenidas e do conjunto
residencial diferenciado não foram implantados.
Em 1953, o plano
definitivo do aterro e do bairro Praia
de Belas ficou pronto.
- Foi realizado o aterro junto a orla do
Cristal; da
Ponta do Mello a
Ponta do
Dionísio, para a construção do
Hipódromo
do Cristal.
Em 1954, é feito o aterro
junto a
Rua Voluntários da Pátria
para construção da continuação do porto o
“Cais
Navegantes”, da
Estação Ferroviária
até a
Igreja dos Navegantes.
Em 1955, a Câmara de
Vereadores aprovou o plano definitivo para a Praia de Belas. Era de autoria dos urbanistas Edvaldo Pereira Paiva e Carlos
Fayet e já projetava a criação de um parque e da futura Avenida Beira Rio.
Em 1956, começou a
intervenção, na margem sul do Centro.
Em 1956, estava pronto o
grande alargamento da área próxima a Rua
Washington Luis, e afastando a orla de seu contorno primitivo, avançando um
grande leito sobre as águas, junto a Praia
de Belas.
Na extremidade junto ao
Asilo
Padre Cacique será construído o
Estádio
Beira Rio do
Sport Club
Internacional, quase dentro d’água no primeiro momento da construção.
Em 1956, o terreno doado ao
Sport Club Internacional consistia
de uma pequena porção das águas do Guaíba, pois o aterro só teve início em
1958.
Em 12 de setembro de 1956,
a construção do Gigante da Beira-Rio,
projeto do ilustre vereador colorado Ephraim
Pinheiro Cabral, iniciou-se quando foi doado o terreno onde seria
construído o estádio.
Em 1959, as primeiras
estacas do Sport Club Internacional foram
colocadas.
Primeiro Plano Diretor
Em 1959, no primeiro Plano Diretor foi marcado pelas idéias
do urbanismo racionalista e funcionalista do movimento moderno, claramente
inspirado nos pressupostos da “Carta de Atenas”. Eram traduzidas por um
sistema de vias expressas e grandes edifícios em altura isolados no terreno.
Sua realização vai ocorrer ao longo da década de 1960, intensificando-se na
década de 1970.
Neste aterro foi destinado uma grande área para a
implantação do novo Centro
Administrativo do Estado, na desembocadura do Riacho, também aterrada. O projeto definiu uma área residencial com
uma nova concepção para ser implantada na Praia
de Belas, ao longo do prolongamento da Avenida
Borges de Medeiros, esta proposta no Plano
de 1914 e retomada por Edvaldo
Pereira Paiva e Arnaldo Gladosch.
Apesar de o Plano
Diretor contemplar toda a área compreendida pela 3ª Perimetral, foi na área
conquistada ao rio pelo aterro que ele melhor pode expressar os seus princípios
e aplicar o modelo urbanístico.
No aterro da Praia de
Belas estava previsto um bairro residencial planejado, seguindo os
postulados modernistas preconizados pelos CIAM’s
e pelo seu expoente, Le Corbusier.
Sobre o projeto para a Praia
de Belas, refere-se Edvaldo Pereira
Paiva nos seguintes termos:
“Essas são as características do projeto
aprovado e em vias de execução imediata. Traçado racional, econômico e salubre.
Conservação da integridade do terreno, continuidade de jardins e parques. Boa e
uniforme orientação das vivendas. Caminhos próprios para os pedestres,
protegidos e separados do trânsito veicular. Segurança e amplitude do espaço
livre, para uso das crianças e recreio dos adultos.
A futura Praia de Belas assim concebida
adquirirá uma fisionomia totalmente distinta dos outros bairros da capital
rio-grandense. A própria vida de seus habitantes adquirirá, seguramente, outro
caráter. A natureza entrará a formar parte do ambiente cotidiano. Árvores, ar
puro e sol deixarão, assim, de ser meros acidentes na vida do homem urbano.”
Na linha do céu, o
palácio e a catedral inacabada.
Ao centro, a ACM. À direita, o prédio do GBOEx
em obras.
Foto: Revista do
Globo, Reprodução – set.1964
O conceito modernista de disposição das edificações em
super-quadras com uma maior liberdade de implantação em relação à rua não foi
adotado nas “unidades”
residenciais. O parcelamento do solo e os alinhamentos não fogem do padrão convencional.
Os “super-quarteirões”
de 15 a 20 ha foram subdivididos em quadras e lotes de tamanho
bastante modesto e convencional (15
por 30 metros nos lotes
internos, sendo maiores ao longo das avenidas).
Haveria prédios de 11
metros de altura nas ruas secundárias e 49
metros nas novas avenidas, com um mínimo de 10
pavimentos, com recuos de 6
metros de frente e fundos e 4
metros nas laterais.
- Poucos foram os quarteirões que saíram como o previsto. Na
medida em que aterrava, a prefeitura percebeu que não ocorria uma
comercialização dos lotes como a prevista. A saída foi mudar a destinação do
aterro.
- No final, essa grande obra ficou inconclusa - diz a
arquiteta e professora da PUCRS Maria
Dalila Bohrer, autora da dissertação de mestrado.
O aterro Praia de
Belas e o aterro do Flamengo, no Rio.
Em 1961, o insucesso do
plano deduziu 100 hectares da
área a ser aterrada.
Primeiros prédios
residenciais sobre o aterro na Praia de Belas
Entreposto de Frutas e
Verduras, que já não existe.
Foto: Revista do
Globo, Reprodução – set.1964
Grande enchente no aterro Menino Deus - 1967
Lei de 1970, revogou o
projeto do novo bairro Praia de Belas.
Optou-se por criar dois grandes parques:
- Maurício Sirotsky
Sobrinho,
- Marinha do Brasil.
Centro Administrativo
Na década de 1970, dentre
as mudanças ocorridas, uma das mais significativas está na implementação do Centro Administrativo do Estado na área
imediatamente ao Sul do Centro Velho da cidade. Este conjunto, que não estava
previsto no Plano de 1959, foi
implantado e veio a marcar a paisagem da cidade em definitivo.
Às voltas com uma infinidade de hectares sem função, as
autoridades levaram para lá órgãos públicos, como o Centro Administrativo e a Câmara
Municipal.
Nota:
Segundo o professor de história da PUCRS Charles Monteiro, a remoção de
repartições ajudou a degradar o Centro a partir dos anos 1970.
Formado por prédios públicos e governamentais de grande
porte soltos no terreno, implantados numa vasta área verde recortada por vias
expressas, este conjunto se distingue totalmente do restante do compacto tecido
urbano. A escala é a do automóvel, a monumentalidade e a forma das edificações,
resguardadas as particularidades, lembram Brasília, modelo que serviu de
inspiração.
O Centro
Administrativo, foi o exemplo mais significativo da arquitetura e do
urbanismo modernistas em
Porto Alegre, constitui-se, entretanto, de um projeto
isolado.
Muro da Mauá
Em 1974, como
conseqüência da enchente de 1941, a necessidade de proteger a região aterrada
levou à construção do Muro da Mauá,
que divorciou o Centro e o Guaíba e serviu de ingrediente na receita que
deteriorou a região central.
Nota:
- O geógrafo Cícero
Castello Branco Filho, que concluiu em 2005 dissertação de mestrado sobre a
orla, aponta outro efeito nocivo dos aterros. Realizados com terra retirada do
fundo do Guaíba, eles deixaram imensos buracos no leito, do cais até a margem
do Parque Marinha do Brasil. Mesmo
que o trecho seja despoluído, não será seguro para banho.
- Se fosse possível secar o Guaíba, veríamos buracos muito
profundos preenchidos por lodo e lixo - diz.
O Grande Aterro – o que fazer ...
Em 1976, foi realizado
concurso para a orla aterrada. O projeto vencedor previa aquário, cais
turístico, bar flutuante e ilha artificial - jamais realizados.
Em 1976, é feito o grande
aterro gerando o bairro Praia de Belas
junto ao Menino Deus, da antiga foz
do Riacho até o Asilo Padre Cacique, ganhando espaço para a construção do Parque Marinha do Brasil e do ginásio Gigantinho do Complexo do Sport Club Internacional.
O geógrafo Cícero
Castello Branco Filho avalia:
A área aterrada ainda é uma zona pouco
utilizada, não incorporada plenamente ao espaço urbano. Hoje a região tem um
uso interessante para a cidade, mas gerou um impacto negativo na paisagem.
Ilhas foram engolidas pelo aterro e perdeu-se
uma bela baía.
O jornalista e escritor Carlos
Reverbel gostava de relatar a reação que o aterro gerou em um antropólogo
norte-americano que esteve em
Porto Alegre durante as obras.
- Vocês estão estragando uma das paisagens
mais bonitas do mundo. É pena que não se possa comprar a paisagem e
transportá-las para países que saibam admirá-las e preservá-las.
1972
1975
Em 1978, atingiu 200 dos 300
hectares previstos.
- Abrange a região que vai da Rua Washington Luís até o Arroio
Dilúvio e da Rua Praia de Belas
até a costa.
- Foram feitos os últimos
aterros, que incluíram:
- Dique de Proteção
Contra Enchentes, sobre o qual foi construída mais tarde a Avenida Beira Rio (do Centro a FEBEM,
atual FASE) ao Sul,
- ao Norte foi construída a Avenida Castelo Branco (do Centro a Travessia Getúlio Vargas) e a BR 290 (Freeway) em direção a divisa
com Cachoeirinha.
Os
aterros se encerram sobre o Guaíba
- O último grande avanço sobre as águas do Guaíba,
acrescentou 460 hectares,
preenchendo o espaço do Estádio Beira
Rio até a Ponta do Mello, no
local do antigo Estaleiro Só.
Revitalização
da Orla do Guaíba
Apresentado para a população da Capital em outubro do ano
passado, o projeto de revitalização da Orla
do Guaíba, desenvolvido pelo escritório do arquiteto paranaense Jaime Lerner, deve começar a se tornar
realidade ainda neste semestre. O secretário de Desenvolvimento de Assuntos
Especiais do município, Edemar Tutikian,
garante que a licitação para a obra dos 1,5km iniciais deve ser lançada até
junho. “O
projeto de revitalização está em sua fase final e esperamos que, nos próximos
60 dias, esteja tudo aprovado. Pretendemos divulgar a licitação ainda neste
semestre”, afirma.
A previsão inicial da prefeitura era concluir a primeira
parte da revitalização em 2013. A intervenção, que deve durar cerca de dez
meses, tem custo de R$ 60 milhões. A revitalização total contemplará 5,9km de
orla, indo desde a Usina do Gasômetro
até a foz do Arroio Cavalhada.
Desde o final de 2013, o Tribunal de Contas do Estado (TCE)
analisa cerca de 4,5 mil itens da proposta. “Há um acordo entre prefeitura e o TCE para que todo o
trabalho desenvolvido seja revisado antes do lançamento da licitação. O
trabalho é demorado pela sua complexidade”, explica Tutikian. De acordo com a assessoria do
TCE, o órgão avaliou a minuta do edital de licitação e encaminhou diversos
questionamentos para a prefeitura. Como as dúvidas foram respondidas
parcialmente, ainda são esperadas mais respostas da administração municipal.
O projeto de revitalização da Orla foi marcado por diversas
polêmicas antes mesmo de sua definição. A contratação do escritório do
arquiteto Jaime Lerner por notório
saber, sem a realização de licitação, foi criticada pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) e durante a audiência
pública realizada na Câmara de
Vereadores.
Segundo informações do IAB, a contratação feita pela
prefeitura pagou ao escritório R$ 2,1 milhões pelo projeto executivo de 1,5km.
Além disso, o custo de R$ 60 milhões para as obras do trecho, que vai da Usina do Gasômetro até a Rótula das Cuias, foi considerado alto.
A intenção de Lerner
neste trabalho, que durou dois anos e meio, foi criar um parque intensamente
utilizado pela população.
O projeto prevê um terminal turístico de barcos, calçadão,
ciclovia, banheiros, quadras esportivas, instalação de bancos e quiosques e um
bar sobre a água.
Também está prevista a instalação de iluminação que permita o
uso da orla à noite e um piso formado por bolinhas de gude que refletirão a luz
do sol.
Se hoje observarmos atentamente a cidade, poderemos ver
que em seu tecido urbano foram deixadas as marca dos diversos planos
urbanísticos implantados ao longo de uma trajetória de um século de
planejamento.
Vista aérea do centro de Porto Alegre, observamos com
clareza as áreas aterradas do Centro Administrativo com predominância do verde
e o núcleo histórico densamente edificado.
Referências:
PARTE DA REPORTAGEM DO JORNAL
ZERO HORA SOBRE O
FUTURO DO CENTRO DA CIDADE E
A ORLA DO GUAIBA
Porto Alegre - A cidade pisa no Guaíba
Itamar Melo
Porto Alegre cem anos de aterros:
uma estratégia de desenvolvimento morfológico
Profa. Célia Ferraz de Souza
Acadêmico Augusto Alves
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de
Arquitetura – PROPUR.
Maciel, João Moreira - Relatório do Projecto de
Melhoramentos e orçamentos, Porto Alegre 1914, Oficinas graphicas d’ “A Federação”,1927,
p.1
Faria Santos, J. L. de Obras do Porto da Capital in
Relatório da Secretaria de Estado dos Negócios das Obras Públicas, Porto
Alegre,
Oficinas Graphicas d’ A Federação, 1914, p. 270
Godoy, Cândido J. de. Palácio do Governo in Relatório da Secretaria
de Estado dos Negócios das Obras Públicas, Porto Alegre, Oficinas Graghicas d’A
Federação, 1909, p. XII
Maciel, João Moreira - Relatório do Projecto de
Melhoramentos e Orçamentos, Porto Alegre, 1914, Oficinas Graphicas d’ A
Federação”, 1927 Relatório porto, p. 25
MACIEL, J M. Op.cit,
Paiva, Edvaldo P. Contribuição ao Estudo do Urbanismo em Porto Alegre Porto
Alegre, 1938, pág. 90
SILVA, José Loureiro da Um Plano de Urbanização. Porto
Alegre, 1943, pág. 137
PAIVA, Edvado P. e FAYET, Carlos M. Urbanização da Praia de
Belas, em Porto Alegre
R. G. S. Rev. Habitat, Porto Alegre, pág. 35
Silva, Lúcia. A Cidade do Rio de Janeiro nos Anos 20.
Pesquisa em História, Publicação do Programa de Estudos Pós Graduados em História
da PUC-SP, coord. Heloisa de Faria Cruz, São Paulo, Olho D’água, 1999, pág. 79,
80.
Wikipédia
Almanaque Gaúcho, por Ricardo Chaves